Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-sobre-o-fim-do.html antes
de ler esta postagem:
Esta é a penúltima postagem sobre “1984”...
Ainda a respeito do trabalho de Winston, e mais
especificamente sobre as discussões desenvolvidas com os outros quatro que
viviam mais ou menos as mesmas condições que ele, temos de ressaltar que
dificilmente chegariam a um termo a respeito do que deviam relatar.
O caso é que se a tarefa
relacionada à “Décima Primeira Edição do Dicionário de Novilíngua” fosse
realmente uma necessidade, o Partido não permitiria que as reuniões se sucedessem
sem que nada fosse produzido. Além disso, temos de levar em conta que questões
referentes à “colocação das vírgulas antes ou depois das aspas” eram
desprovidas de sentido, tomavam várias horas de debate e obviamente não levavam
a nenhum lugar.
Na maioria das vezes o grupo de trabalho se reunia e debandava sem nada
produzir porque se chegava à conclusão de que não tinha o que fazer. Havia
situações em que, pelo contrário, as reuniões eram agitadas e marcadas por
calorosas discussões... Cada membro apresentava redações, “relatórios pessoais”
e propostas de “longos memorandos que nunca terminavam”. Tanto falavam e
defendiam suas produções textuais que os assuntos se prolongavam, revelando
“sutis divergências”.
Em muitas ocasiões os
desentendimentos resultavam em “ameaças de recursos à autoridade superior”, mas
logo os ânimos arrefeciam e “eles ficavam em torno da mesa, entrefitando-se,
com olhos defuntos, como duendes que se desvanecem ao cocoricar do galo”.
(...)
As teletelas do Castanheira
silenciaram... Isso foi o suficiente para que Winston voltasse a pensar sobre o
problema da guerra na África. Imaginou que dessa vez o Ministério da Paz
anunciaria o boletim. Mas não foi isso o que ocorreu, pois logo o ambiente se
encheu de nova programação musical.
Estava tão preocupado que passou
a mentalizar o mapa do continente africano... Imaginou a movimentação das
tropas em confronto como num diagrama. Visualizou duas setas, uma que apontava
para o sul, negra e certamente representando o avanço dos inimigos eurasianos;
outra, no sentido horizontal e avançando para o leste, era branca e devia
representar os grupamentos da Oceania. Sua ansiedade pela vitória era tal que a
seta branca cortava a haste da que representava os invasores.
Buscou se acalmar... E fez
isso contemplando o cartaz com o enorme rosto do Grande Irmão. Inspirado pela
confiança que o líder transmitia através de seu olhar, de repente se viu
perguntando a respeito da “flecha branca”: seria concebível que ela nem ao
menos existisse?
(...)
A tensão da espera pelo
boletim sobre a guerra era grande. Todavia, ao contemplar o semblante do Grande
Irmão, Winston voltou a se acalmar e bebeu mais do gin... Na sequência voltou
ao exercício de xadrez e pegou o bispo branco. Experimentou um movimento que
colocou o rei das peças negras em cheque.
O exercício proposto pelo periódico não exigia pressa. O que contava eram
as habilidades do cálculo e da antecipação das jogadas. Ao visualizar
atentamente as posições das peças percebeu que ainda não havia encontrado a
solução para o desafio.
(...)
O tabuleiro podia esperar... Em algum momento faria a jogada certeira e
isso colocaria fim ao exercício.
Interrompeu o jogo porque passou a se ocupar de
outra lembrança... Em seu devaneio podia contemplar o quarto de sua infância. O
precário cômodo surgia iluminado à vela. Uma “grande cama coberta por uma
colcha branca” dominava o lugar... Ele se via “sentado no chão, sacudindo um
copo de dados e rindo-se nervosamente”.
Ele e a mãe brincavam. Por
isso ela estava diante dele e também acomodada no chão. O entretenimento e
interação com o filho a levava a sorrir. Até onde Winston podia calcular, o dia
estava chuvoso e o momento era de reconciliação. Depois de um mês ela
desapareceria.
Não sabia por que a lembrança lhe viera à mente... Sabia que, pelo menos
durante o jogo com a mãe, a criança se esquecia da falta de comida e da vida
infeliz que levavam. Além disso, a brincadeira proporcionava uma breve
reconciliação. Lembrou que por causa da chuva não pudera sair do quarto escuro
e isso o irritou. A mãe sugeria a leitura para passar o tempo, mas a falta de
iluminação o levava a protestar... Não podia sair como fazia habitualmente e
tampouco havia o que fazer no quarto que, além de apertado e escuro, tinha
goteiras.
Exigente como era, pedia
comida e andava de um canto para outro... Desorganizava os objetos e dava
chutes nas paredes, provocando a irritação dos vizinhos. Estes esmurravam as
paredes para demonstrar sua insatisfação. E como se não bastasse seu destempero,
a mãe ainda tinha de administrar o padecimento da filha, que chorava de fome e
não parava de gemer.
O
menino mimado trazia mais transtornos à mãe do que a pequena... Para acalmá-lo,
disse-lhe que “se ficasse bonzinho” compraria um brinquedo que certamente o
agradaria. Foi assim que ela resolveu sair à chuva na direção de uma pequena
loja que funcionava eventualmente. É claro que lhe faltava dinheiro para o
básico, mas se dispôs a gastar o pouco que tinha para conter a fúria de
Winston.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-o-fim-conviccao.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto