segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

“1984”, de George Orwell - mais a respeito dos objetivos do Partido; O’Brien adivinha mais uma vez os pensamentos do preso político sobre seu cansaço e destaca que cada indivíduo é apenas uma célula do organismo; revertendo o lema “Liberdade é Escravidão” para mostrar que a liberdade individual é nociva ao ser humano e que a saída só podia ser fundir-se no Partido que a tudo controla; ousadas intervenções de Winston a respeito dos limites do “poder extremado” arrogado pelos dirigentes do IngSoc

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-dificuldade-para.html antes de ler esta postagem:

O’Brien falou a respeito da ansiedade do Partido pelo poder e deixou claro que fazia parte de um núcleo de dirigentes muito bem esclarecidos em relação aos seus objetivos. Ao comparar os princípios do IngSoc com o nazismo e o comunismo, quis mostrar a falta de coragem destes para admitir que o poder é um fim em si mesmo.
A falação teve prosseguimento e o membro do Partido Interno mostrou em tom professoral que “o objetivo da perseguição é a perseguição; o da tortura é a tortura”, e assim por diante. Perguntou se Winston conseguia entender e este, mais do que inteirar-se da explicação, silenciosamente admirava-se com o aspecto cansado de O’Brien.
Em suas reflexões, não podia negar o vigor físico e a inteligência do homem e o modo como isso o fazia se sentir indefeso. Todavia as olheiras não deixavam dúvidas de que o tipo passava por um processo de esgotamento.
Mais uma vez O’Brien deu a entender que podia antecipar o que o preso político pensava e foi dizendo que sabia que ele estava pensando que seu rosto estava com uma fisionomia mais envelhecida... E que, além disso, falava do poder extremado do Partido sem ter qualquer condição de evitar a deterioração do próprio físico. Em relação a essas observações, perguntou se Winston podia entender “que o indivíduo é apensa uma célula”.
Emendou que “o cansaço da célula é o vigor do organismo”. Fez uma analogia com o corte das unhas, salientando que ninguém morre porque as apara. Na sequência voltou a dar alguns passos pela sala e disse que homens como ele eram “os sacerdotes do poder” e que “Deus é poder”.
Obviamente endeusava o Partido e pôs-se a observar que, para Winston, “poder” era apenas uma palavra destituída dos significados que interessavam para o bom entendimento da temática que ele abordava.
(...)
Sua explicação dava conta de que a primeira noção que devia ser considerada era a de que “o poder é coletivo”. Assim, individualmente, a pessoa só pode ser investida de poder “na medida em que cessa de ser indivíduo”. E para melhor esclarecer, O’Brien citou “o lema do Partido: ‘Liberdade é Escravidão’” e fez a reversão... “Escravidão é Liberdade”.
Completou dizendo que o ser humano que experimenta a condição individual de liberdade sempre é derrotado... Sozinho, não há como ser livre em segurança. Daí resulta que a morte (que é certeira para todos os viventes) passa a ser encarada como condenação e “maior de todos os fracassos”.
De que modo o indivíduo poderia safar-se de tal condenação? O’Brien explicou que a única saída seria abandonar a individualidade para “fundir-se ao Partido”. Dessa maneira, torna-se entidade “onipotente e imortal”, exatamente o que o Partido é.
Em segundo lugar, devia-se entender que “o poder é o poder sobre todos os entes humanos”. E não se trata apenas do poder sobre o corpo das gentes, mas principalmente “sobre suas mentes”. Que não se pensasse que o poder almejado pelo Partido fosse unicamente sobre a “realidade externa” e material, até porque esse controle já era exercido pelo sistema.
(...)
Tão atentamente Winston ouviu as palavras de seu carrasco que até chegou a se esquecer do dispositivo de tortura que ele mantinha na mão. Tentou se sentar na cama, mas o máximo que conseguiu foi “torcer o corpo dolorosamente”. Na sequência perguntou desafiadoramente de que modo os dirigentes do Partido poderiam controlar a matéria, já que não conseguiam dominar o clima ou a gravidade. Além disso, lembrou, as muitas doenças, suas sequelas e a morte não obedeciam a regras impostas pelo IngSoc.
Antes que pudesse continuar, o outro o interrompeu com um gesto e o corrigiu dizendo que o Partido controlava a matéria porque tinha o controle das mentes. Era preciso entender que “a realidade está na cabeça das pessoas”. E assim não havia simplesmente nada que pudesse escapar da atuação do Partido. O IngSoc podia fazer simplesmente tudo, inclusive tornar os corpos invisíveis ou fazê-los levitar.
Então, por que ele mesmo, O’Brien, não levitava “como uma bolha de sabão”? A esta observação, afirmou que “ele não queria porque o Partido não queria”. Disse isso e completou orientando que as ideias a respeito “das leis da Natureza”, apropriadas ao século XIX, deviam ser abandonadas de uma vez por todas. Concluiu salientando que eram ele e os demais dirigentes do Partido Interno que faziam as leis da natureza.
(...)
Winston não concordou e ousou exclamar que eles não eram “donos do planeta”. Além disso, era preciso considerar que havia a Lestásia e a Eurásia, que ainda não tinham sido derrotadas pela Oceania.
O’Brien redarguiu insistindo que aquilo não tinha a menor importância. Aliás, os dois impérios citados podiam ser dominados quando o Partido considerasse mais conveniente. Enquanto isso não fosse deliberado, Lestásia e Eurásia permaneciam sem fazer a menor diferença, já que “a Oceania é o mundo” e isso era o que contava.
O rapaz não se conteve e se contrapôs ao lembrar que “o mundo não passa de um grão de pó; que o homem é minúsculo e indefeso” e que, em relação aos seres humanos, havia que se considerar que a espécie existe há pouquíssimo tempo, já que por “milhões de anos a Terra foi desabitada”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas