sábado, 8 de janeiro de 2022

“1984”, de George Orwell - restauração física e muitas horas de sono; pequena lousa e lápis par escrever; sonhos tranquilos; acomodado no ócio, afastado dos dispositivos de tortura e sem pressa para as reflexões; capitulação e reconhecimento da eficácia da Polícia do Pensamento e do erro de se opor ao “cérebro imortal coletivo”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-fim-da-sessao.html antes de ler esta postagem:

De fato, as condições de Winston haviam melhorado muito desde a sessão em que O’Brien o fizera encarar o próprio corpo doente e esquelético... Passaram a alimentá-lo, deram-lhe vestimentas decentes e até forneceram-lhe cigarros.
Deram-lhe também um quadro branco e um lápis para que pudesse escrever no caso de sentir necessidade. A princípio não deu qualquer atenção à pequena lousa, até porque ainda não se sentia completamente restaurado... Percebia-se desperto, mas era como se as substâncias que lhe injetaram nas veias continuassem a fazer efeito. Por isso mesmo habituara-se a permanecer na cama durante longas horas e entre uma e outra refeição dormia ou mantinha-se em silêncio e com os olhos cerrados.
Estava mesmo acostumado à forte luz que jamais se apagava e, apesar dela, conseguia dormir sem maiores traumas... Sonhava com frequência e sempre eram bons e alegres sonhos que tinham lugar na “Terra Dourada” ou em grandes “ruínas, gloriosas, banhadas de sol”. Nesses locais se via na companhia da mãe, Júlia e O’Brien em conversas agradáveis. Ao acordar passava um bom tempo a pensar nos sonhos que tivera.
Não o submetiam mais a interrogatórios ou aos dispositivos de tortura... Mas não conseguia realizar qualquer esforço intelectual, e pelo visto o limite de suas reflexões passou a ser esse de rememorar os sonhos isentos de traumas. A solidão de sua cela lhe bastava e não sentia que isso pudesse ser motivo para aborrecimentos. Pelo contrário, já que essa condição podia ser relacionada à não convocação para interrogatórios e as surras a eles vinculadas. O bom era ter o que comer e “sentir-se limpo de corpo inteiro”.
Conforme o tempo passou, notou que vinha dormindo cada vez menos... Apesar disso não se sentia animado a levantar-se da cama. Permanecer deitado tornou-se o seu ideal enquanto sentia que seu organismo se restabelecia. Em silêncio notava que os músculos se fortaleciam aos poucos e a pele voltava a esticar. Reconheceu que “as coxas estavam positivamente mais grossas que os joelhos” e que “os ombros arcados se endireitavam”. Não havia dúvida, aquele Winston esquelético refletido no espelho se apagava a cada dia e dava lugar a outro restaurado.
(...)
As mudanças positivas o levaram a arriscar alguns movimentos de ginástica... Passou a caminhar pela cela e calculou que o exercício equivalia a três quilômetros de percurso.
Depois experimentou exercícios mais complexos, todavia percebeu que a caminhada era o máximo que conseguia. Tinha dificuldade para segurar a cadeira junto à cama e manter o braço esticado. A tentativa de equilibrar-se numa só perna era das mais árduas e até perigosa, já que a falta de equilíbrio podia provocar uma queda desastrosa. Experimentava agachar-se e logo que que levantava sentia dores nos músculos da coxa e da panturrilha.
Pelo menos no começo teve muita dificuldade para erguer-se do chão forçando os braços... As flexões eram-lhe impossíveis. Mas, animado pelas refeições restauradoras, fez várias tentativas até conseguir pequenas sequências e as ampliar aos poucos.
Por tudo o que passou desde a prisão, não imaginaríamos que Winston pudesse chegar ao ponto de se animar com a recuperação física... Sentia considerável melhora no rosto, que parecia voltar ao normal. A falta dos cabelos era a única marca a lembrá-lo do sofrimento pelo qual havia passado.
(...)
Todos esses avanços contribuíram para que voltasse a ativar o raciocínio. Não foi por acaso que decidiu fazer uso da pequena lousa e do lápis. Sentiu a necessidade de se reeducar e isso parecia selar a “vitória do sistema” e confirmar o que O’Brien dizia a respeito de fazer o preso político dobrar-se à reabilitação antes de ser finalmente “evaporado”. De sua parte, Winston pensava que estivera a ponto de capitular bem antes das mudanças que vinham se processando.
No momento refletia a respeito da ocasião em que foi capturado com Júlia no quarto sobre a loja de antiguidades e sentia que, enquanto ouvia a teletela vociferar as ordens que deram início ao longo suplício, já sabia que haviam iniciado uma aventura irresponsável e completamente inútil desde que se rebelaram contra o Partido.
Enfim entendia que a Polícia do Pensamento o tinha na mira pelo menos há sete anos e isso significava que todos os seus atos e “associação de ideias” que tivesse feito em conversas do cotidiano foram analisados e geraram conclusões dos agentes espiões. Nada lhes escapara!
Pensou sobre a ocasião em que deixou o grão esbranquiçado de poeira na capa do diário para que certificar mais tarde que ninguém o manipulara (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-livrando-se-da.html) e teve certeza que de fato chegaram a ele, o investigaram e tiveram todo cuidado de o repor na gaveta. Não foi por acaso que durante os interrogatórios apresentaram gravações e fotografias que registravam circunstâncias as mais diversas de seu cotidiano.
Estava mais que evidente que não se podia enfrentar o Partido... No momento entendia que o Partido estava com a razão. Só podia ser isso! Tratava-se do “cérebro imortal coletivo” e de modo algum a pessoa comum poderia mensurar a sua razão.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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