Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-fim-da-sessao.html antes
de ler esta postagem:
De fato, as condições de Winston haviam
melhorado muito desde a sessão em que O’Brien o fizera encarar o próprio corpo
doente e esquelético... Passaram a alimentá-lo, deram-lhe vestimentas decentes
e até forneceram-lhe cigarros.
Deram-lhe também um quadro
branco e um lápis para que pudesse escrever no caso de sentir necessidade. A
princípio não deu qualquer atenção à pequena lousa, até porque ainda não se
sentia completamente restaurado... Percebia-se desperto, mas era como se as
substâncias que lhe injetaram nas veias continuassem a fazer efeito. Por isso
mesmo habituara-se a permanecer na cama durante longas horas e entre uma e
outra refeição dormia ou mantinha-se em silêncio e com os olhos cerrados.
Estava mesmo acostumado à forte luz que jamais se apagava e, apesar
dela, conseguia dormir sem maiores traumas... Sonhava com frequência e sempre
eram bons e alegres sonhos que tinham lugar na “Terra Dourada” ou em grandes
“ruínas, gloriosas, banhadas de sol”. Nesses locais se via na companhia da mãe,
Júlia e O’Brien em conversas agradáveis. Ao acordar passava um bom tempo a
pensar nos sonhos que tivera.
Não
o submetiam mais a interrogatórios ou aos dispositivos de tortura... Mas não
conseguia realizar qualquer esforço intelectual, e pelo visto o limite de suas
reflexões passou a ser esse de rememorar os sonhos isentos de traumas. A
solidão de sua cela lhe bastava e não sentia que isso pudesse ser motivo para
aborrecimentos. Pelo contrário, já que essa condição podia ser relacionada à
não convocação para interrogatórios e as surras a eles vinculadas. O bom era
ter o que comer e “sentir-se limpo de corpo inteiro”.
Conforme o tempo
passou, notou que vinha dormindo cada vez menos... Apesar disso não se sentia
animado a levantar-se da cama. Permanecer deitado tornou-se o seu ideal
enquanto sentia que seu organismo se restabelecia. Em silêncio notava que os
músculos se fortaleciam aos poucos e a pele voltava a esticar. Reconheceu que “as
coxas estavam positivamente mais grossas que os joelhos” e que “os ombros
arcados se endireitavam”. Não havia dúvida, aquele Winston esquelético
refletido no espelho se apagava a cada dia e dava lugar a outro restaurado.
(...)
As
mudanças positivas o levaram a arriscar alguns movimentos de ginástica... Passou
a caminhar pela cela e calculou que o exercício equivalia a três quilômetros de
percurso.
Depois experimentou
exercícios mais complexos, todavia percebeu que a caminhada era o máximo que
conseguia. Tinha dificuldade para segurar a cadeira junto à cama e manter o
braço esticado. A tentativa de equilibrar-se numa só perna era das mais árduas
e até perigosa, já que a falta de equilíbrio podia provocar uma queda
desastrosa. Experimentava agachar-se e logo que que levantava sentia dores nos
músculos da coxa e da panturrilha.
Pelo menos no começo
teve muita dificuldade para erguer-se do chão forçando os braços... As flexões eram-lhe
impossíveis. Mas, animado pelas refeições restauradoras, fez várias tentativas
até conseguir pequenas sequências e as ampliar aos poucos.
Por tudo o que passou desde a prisão, não imaginaríamos que Winston pudesse
chegar ao ponto de se animar com a recuperação física... Sentia considerável
melhora no rosto, que parecia voltar ao normal. A falta dos cabelos era a única
marca a lembrá-lo do sofrimento pelo qual havia passado.
(...)
Todos esses avanços contribuíram para que voltasse a ativar o
raciocínio. Não foi por acaso que decidiu fazer uso da pequena lousa e do
lápis. Sentiu a necessidade de se reeducar e isso parecia selar a “vitória do
sistema” e confirmar o que O’Brien dizia a respeito de fazer o preso político
dobrar-se à reabilitação antes de ser finalmente “evaporado”. De sua parte,
Winston pensava que estivera a ponto de capitular bem antes das mudanças que vinham
se processando.
No momento refletia a respeito da ocasião em que
foi capturado com Júlia no quarto sobre a loja de antiguidades e sentia que, enquanto
ouvia a teletela vociferar as ordens que deram início ao longo suplício, já
sabia que haviam iniciado uma aventura irresponsável e completamente inútil
desde que se rebelaram contra o Partido.
Enfim entendia que a
Polícia do Pensamento o tinha na mira pelo menos há sete anos e isso
significava que todos os seus atos e “associação de ideias” que tivesse feito em
conversas do cotidiano foram analisados e geraram conclusões dos agentes
espiões. Nada lhes escapara!
Pensou sobre a ocasião em que deixou o grão esbranquiçado de poeira na
capa do diário para que certificar mais tarde que ninguém o manipulara (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-livrando-se-da.html) e teve certeza que
de fato chegaram a ele, o investigaram e tiveram todo cuidado de o repor na gaveta.
Não foi por acaso que durante os interrogatórios apresentaram gravações e
fotografias que registravam circunstâncias as mais diversas de seu cotidiano.
Estava
mais que evidente que não se podia enfrentar o Partido... No momento entendia
que o Partido estava com a razão. Só podia ser isso! Tratava-se do “cérebro
imortal coletivo” e de modo algum a pessoa comum poderia mensurar a sua razão.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto