sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

“1984”, de George Orwell - fim da sessão marcada pelas piores revelações a respeito dos maus tratos recebidos; sobre não ter traído Júlia e a “sinceridade” de O’Brien; anticlímax, reconsiderando as qualidades do torturador e buscando informações a respeito da execução; mudança de sala e de tratamento, higiene, alimentação regular e cigarros

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-um-trapo-em.html antes de ler esta postagem:

Winston foi tomado por profunda amargura. Ao olhar-se nos espelhos pôde imaginar que já estava há muito tempo nas dependências do Ministério do Amor, onde morria aos poucos. Podemos dizer que ao constatar o próprio definhamento constatou que seu fim estava próximo... Chorou talvez porque entendesse que sua situação chegara a um ponto irreversível. Concluiu que O’Brien era o culpado pela sua degradação e o acusou.
Como vimos, O’Brien pousou a mão sobre seu ombro e respondeu que se havia algum responsável por sua dramática situação era ele próprio, que se rebelara contra o Partido. Emendou que já devia saber que passaria por aquele processo desde o “primeiro ato de traição”.
(...)
Depois de breve silêncio, Winston ouviu do integrante do Partido Interno que havia apanhado muito para que deixasse de resistir. Tinha acabado de ver o próprio corpo e se decepcionado... Devia saber que seu estado mental era idêntico ao do moribundo corpo. O’Brien sugeriu que ele não devia estar nem um pouco orgulhoso da condição a que havia chegado. Contou-lhe que o haviam surrado e ofendido de todas as maneiras e que, ao rastejar pelo chão, se emporcalhou no próprio sangue, vômito e outros excrementos.
É claro Winston não sabia do que tinha passado porque na maior parte das sessões estivera sob o efeito de substâncias psicotrópicas. Conforme o outro falava, mais se angustiava e se sentia acabado para o mundo... O’Brien sabia disso, pois conhecia os seus mais íntimos pensamentos, então lhe disse que em vários momentos implorava por misericórdia e traía a todos com quem havia se envolvido de alguma maneira.
(...)
O’Brien perguntou se ele podia imaginar alguma situação vexatória pela qual não tivesse passado... O rapaz não respondeu. Suas lágrimas ainda escorriam pelas magras faces, mesmo assim fitou-o nos olhos e disse que não havia traído Júlia.
A afirmação não tinha qualquer base, ele não podia ter certeza das coisas que falou durante os interrogatórios. Mesmo assim, O’Brien admitiu que era verdade. Ao ouvi-lo, Winston voltou a reconhecer o “valor e o caráter” de seu algoz, um tipo inteligente que o compreendia sem muito esforço. Entendeu que outro agente de repressão lhe diria que sim, havia traído Júlia. No momento estava convicto de que, por tudo o que havia passado, certamente falara a respeito dela, sobre seus hábitos, vida passada, detalhes dos encontros e conversas a respeito dos produtos que conseguia no “mercado negro”, promiscuidade e atitudes rebeldes contra a disciplina partidária.
Ele não podia deixar de considerar que seu torturador reconhecia que Júlia não havia sido traída, pois devia entender que continuou a amá-la mesmo sendo submetido aos mais constrangedores e violentos suplícios. O que o sensibilizava em relação ao maioral do Partido Interno era o fato de ele reconhecer “o significado de suas palavras sem que precisasse explicá-las”.
(...)
Essas considerações todas possibilitaram certo “anticlímax”.
Winston perguntou quando seria executado e O’Brien respondeu que seu caso era difícil e que podia “demorar muito”. Mas fez questão de salientar que não era preciso ficar ansioso, pois chegaria o momento em que seria considerado curado e por fim receberia o tiro.

(...)

Não temos como afirmar mais a respeito daquela última sessão. Provavelmente o homem do avental branco tenha aplicado uma injeção no enfraquecido braço de Winston e mais uma vez ele caiu em sono profundo.
O fato é que o tempo passou e agora o vemos em condição bem melhor. O vemos um pouco mais gordo, com a aparência menos decadente e se fortalecendo a cada dia. A sala onde o instalaram era praticamente idêntica às anteriores, com a mesma luz espantosamente branca e o constante zumbido do sistema de arrefecimento da temperatura. Apesar de a cama ser de tábua, instalaram um colchão sobre ela e isso o fazia sentir-se mais confortável. Além disso, recebeu autorização para se lavar com água morna.
Entregaram-lhe novas roupas de baixo e um novo macacão. As varizes foram tratadas com uma pomada... Arrancaram-lhe os dentes restantes e providenciaram uma prótese bem ajustada.
Apesar de não saber o tempo que havia se passado desde a sessão em que teve de encarar o próprio corpo em decomposição, já podia contar os intervalos a partir das refeições que começaram a lhe servir. A regularidade o levou a concluir que se alimentava três vezes a cada vinte e quatro horas. Eventualmente pensava a respeito do horário, se a refeição correspondia ao almoço ou à janta.
Em relação à comida, surpreendeu-se também por considerá-la “boa, com carne de três em três refeições”. E mais... Causou-lhe espanto ter recebido um maço de cigarros em certa ocasião. Apesar de não ter fósforos, podia acendê-los com o auxílio do guarda encarregado de trazer-lhe a comida.
No começo, teve certa dificuldade para fumar... Desacostumado, enjoou nas primeiras tentativas de tragar, mas persistiu e aos poucos conseguiu fumar a metade de um cigarro sempre que terminava cada uma das refeições.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas