Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras.html antes
de ler esta postagem:
O primeiro dos contos de “anotações de um jovem
médico” é “A toalha com um galo” e começa com a chegada do recém-formado doutor
a Múrievo. O jovem doutor havia partido de Gratchióvka para dar início à
residência médica no hospital do interior. Em breve daria início ao estágio de
atendimento aos camponeses da localidade, assim teria a oportunidade de conhecer
melhor a rotina hospitalar e colocar em prática o aprendizado acadêmico.
As péssimas condições
do tempo e das estradas rurais enlameadas pela neve tornaram a viagem de pouco
mais de quarenta e dois quilômetros traumática. O experiente cocheiro não
conseguiu vencer a distância em menos de vinte e quatro horas... Aliás, os
registros do doutor a respeito da viagem apontam que haviam deixado a capital
da província “às duas da tarde do sai 16 de setembro de 1917” e chegaram diante
do hospital de Múrievo “às duas e cinco da tarde” do dia seguinte.
A intensa friagem incomodava demais. Por isso o rapaz era só lamentação,
pois se sentia incomodado com o enrijecimento das pernas e mãos. Naquela
ocasião, a possibilidade nada absurda de ter adoecido o preocupava. Ao sentir
os dedos “petrificados”, imaginou que não conseguiria movimentá-los novamente,
lembrou-se do estudo a respeito da “paralisis” (paralisia) e chegou a lastimar
o dia em que entregou o requerimento para a admissão na Faculdade de Medicina.
(...)
Caminhar
pela relva encharcada parecia impossível. O maior problema era carregar a
pesada mala, mas chegara ao ponto que não tinha como retroceder...
Apesar da espessa
névoa, aos poucos conseguiu divisar o prédio branco onde funcionava o hospital
de dois andares e cujas paredes descascavam... Reconheceu que o aspecto geral
era satisfatório e logo concluiu que a casa pequena só podia ser do enfermeiro enquanto
a maior, limpa e dotada de dois pisos, era a que o abrigaria.
Cansado
da viagem e do frio de congelar, admitiu para si mesmo que chegava ao “refúgio
sagrado” (neste ponto, Érika Batista destaca a referência a verso da ópera
Fausto, de Charles Gounod) e reconhecia que o conforto de Moscou e seu
maravilhoso teatro haviam ficado definitivamente para trás.
(...)
Mal conseguia
carregar a pesada mala... Caminhando com dificuldade sobre a relva enlameada,
calculou que no próximo mês o frio se tornaria ainda mais intenso, e isso
exigiria agasalhos em dobro caso tivesse de retornar a Gratchióvka.
Na sequência, o jovem
doutor pensou sobre a jornada que o levara ao hospital de Múrievo... A respeito
da paisagem pouco teria a dizer, já que era muito monótona e silenciosa.
Podia-se pensar que as terras eram desabitadas... Aqui e ali contemplavam-se os
“campos roídos”, um ou outro bosque e casinhas típicas camponesas (os isbás). Havia
pernoitado em Grabílovka graças à acolhida de um professor (provavelmente da
universidade). A viagem noturna era simplesmente impraticável e nem se pode
dizer que as condições fossem muito melhores durante o dia. Lembrou-se que o
cocheiro conduzia o veículo da melhor maneira possível, todavia avançavam mais
lentamente do que um caminhante. Chacoalhavam a todo momento, principalmente
porque as rodas emperravam em buracos ou atolavam. Na condição de passageiro
sofreu todo tipo de solavanco, e diversas vezes a pesada bagagem caiu sobre
seus pés.
(...)
Tantas eram as dificuldades da chegada que o cocheiro desconfiou que o
doutor não conseguisse se instalar e assumir o seu posto. Ele tomou a
iniciativa de bater palmas e gritar para que viessem receber o jovem médico.
Nas vidraças da casinha do enfermeiro surgiram rostos curiosos e logo um
tipo saiu para atender. Retirou o quepe em sinal de respeito e cumprimentou,
“olá, camarada doutor”. Explicou que era o vigia do lugar, se chamava Egóritch
e que todos aguardavam sua chegada.
O jovem médico sentiu-se aliviado ao vê-lo
assumir o transporte da mala... Seguiu-o com passos claudicantes e tentando
levar a mão enrijecida ao bolso para pegar moedas para uma gorjeta.
O cocheiro se foi...
O jovem médico, enfim, foi entregue à equipe que já trabalhava na unidade
hospitalar do pequeno povoado.
(...)
O que ele mais precisava era do calor do fogo... Tinha de se aquecer e
colocar alguma ordem no raciocínio para iniciar o reconhecimento do ambiente e
do pessoal. Também se sentia incomodado pelo próprio aspecto de jovem
recém-formado e pela falta de experiência que a pouca idade evidenciava. Por
isso desde que deixara Moscou pensou em se esforçar para transmitir a maior
seriedade quando tivesse de se apresentar.
Mesmo
tendo se passado muitos anos depois do ocorrido, o doutor se lembraria do modo
como se apresentou assim que foi recebido pelo pessoal de Múrievo... Ninguém
escondia o espanto ao ouvi-lo dizer que era o “Doutor fulano de tal” e invariavelmente
perguntavam-lhe se estava falando sério, pois não podiam deixar de pensar que ainda
se tratasse de um estudante.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras_2.html
Leia: “Anotações
de um Jovem Médico e outras narrativas”. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto