quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

“1984”, de George Orwell - um trapo em estado de putrefação, escoriações e sujeira, um amontoado de ossos mal articulados, a condição degradante de Winston diante dos espelhos; humilhação e destruição da moral do preso político nas agressões físicas e palavras de O’Brien; o pranto de quem antevê o amargo fim

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-discordancias-de.html antes de ler esta postagem:

As condições físicas de Winston eram degradantes. Enxergar-se no espelho foi tarefa das mais árduas e angustiantes, mas as atitudes e palavras de O’Brien que teve de ouvir na sequência foram como “a bota do sistema a pisar-lhe a cabeça”.
(...)
Os reflexos dos espelhos não deixavam dúvida... Winston vinha sendo muito judiado desde que fora transferido para o Ministério do Amor. O’Brien queria derrubá-lo moralmente, e conseguiu:

                   “As faces estavam cobertas de sulcos, a boca chupada para dentro. Com certeza, era o seu rosto, mas lhe parecia ter mudado mais do que mudara por dentro. As emoções que revelava seriam diferentes das que sentia. Ficara parcialmente calvo. A princípio, pensou que o cabelo agrisalhara também, mas apenas o couro cabeludo se tornara cinzento”.

O rapaz notou que tinha o corpo todo coberto de feridas que lembravam as de um leproso. Também não faltavam cicatrizes avermelhadas. Olhou os pés e viu que a variz junto ao tornozelo havia se transformado numa grande inflamação.
Observou a magreza do corpo que mais se parecia com um esqueleto... Pernas muito finas e joelhos estranhamente mais grossos... Após virar-se para enxergar-se de lado notou o quanto as costelas estavam ressaltadas. A coluna havia envergado de tal modo que parecia que se partiria a qualquer momento.
Um esqueleto... Era assim que Winston podia definir a si mesmo. Na altura do tórax via um vazio! Estava tão magro que os ombros “arcavam-se para a frente” enquanto o pescoço parecia não suportar a cabeça. No mínimo se concluiria que se tratava de um tipo de “uns sessenta anos, vítima duma doença maligna”.
(...)
O’Brien aguardou o suficiente até que o preso político, que se julgava melhor do que os homens do Partido Interno, se inteirasse de suas péssimas condições... Depois pôs-se a falar a respeito das vezes em que Winston o via com o aspecto envelhecido e cansado. Gritou e o agarrou pelo ombro, tirando-o da frente do espelho para que ficassem frente a frente.
Provocou e o ofendeu... Será que tinha conseguido se reconhecer nos espelhos? Um tipo cheio de imundícies espalhadas pelas juntas. O fez olhar para a ferida da perna e sentenciou que ele estava fedendo como um bode. Disparou que podia ser que já nem conseguisse sentir o próprio cheiro.
Mostrou que se quisesse poderia contornar seu bíceps com dois dedos... E quebrar-lhe o pescoço como se parte uma cenoura. Revelou que Winston perdera vinte e cinco quilos desde que fora encaminhado ao Ministério do Amor e que sua condição era tão degradante que até vinha perdendo cabelos aos tufos. Disse isso e arrancou um punhado com extrema facilidade.
Exigiu que Winston abrisse a boca. Contou os dentes e anunciou que lhe restavam apenas onze. Perguntou aos berros quantos ele possuía antes de ser detido e esbravejou que aqueles que ainda não haviam caído podiam ser extraídos com extrema facilidade.
Disse essas coisas e segurou um dos incisivos com o polegar e o indicador... De fato, num instante o dente foi tirado pela raiz do maxilar de Winston. Este sentiu o arrepio de dor e logo se viu atirado ao chão por O’Brien.
(...)
Como se não bastasse a tremenda humilhação imposta à sua vítima, O’Brien resolveu deixar-lhe a par de sua real condição. Disse que estava “apodrecendo, caindo aos pedaços”. O fez voltar-se novamente para os espelhos para que contemplasse “o último homem a olhá-lo”. Não dizia que era humano? Pois bem, a “humanidade” estava diante de seus olhos.
Winston começou a se vestir com os trapos imundos... Fez isso muito lentamente enquanto pensava no fato de estar tão magro e por reconhecer que já estava preso há muito mais tempo do que imaginava.
Parou e sentiu a amargura de admitir que estava arruinado. Instintivamente atirou-se numa cadeira que estava junto à cama e chorou. Não conseguia parar ainda que soubesse que seu estado, “ossos em imunda roupa de baixo”, era similar ao de um saco de lixo feio e fedorento, focado pela forte luz do ambiente... O que podia fazer senão chorar copiosamente?
(...)
O’Brien colocou a mão sobre o ombro de Winston... Como que a consolar-lhe, disse que aquilo não duraria para sempre. Só dependia dele mesmo. O rapaz o olhou e respondeu que sabia bem quem era o responsável pelos maus tratos que haviam sido impostos a ele.
Disse que O’Brien era o culpado. Este negou ao mesmo tempo em que sentenciava que o único responsável pelo seu sofrimento era ele mesmo, que decidiu se voltar contra o Partido. Devia saber que tudo o que sofreu já era previsto desde seu “primeiro ato de traição”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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