Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-discordancias-de.html antes
de ler esta postagem:
As condições físicas de Winston eram
degradantes. Enxergar-se no espelho foi tarefa das mais árduas e angustiantes,
mas as atitudes e palavras de O’Brien que teve de ouvir na sequência foram como
“a bota do sistema a pisar-lhe a cabeça”.
(...)
Os reflexos dos
espelhos não deixavam dúvida... Winston vinha sendo muito judiado desde que
fora transferido para o Ministério do Amor. O’Brien queria derrubá-lo
moralmente, e conseguiu:
“As
faces estavam cobertas de sulcos, a boca chupada para dentro. Com certeza, era o
seu rosto, mas lhe parecia ter mudado mais do que mudara por dentro. As emoções
que revelava seriam diferentes das que sentia. Ficara parcialmente calvo. A princípio,
pensou que o cabelo agrisalhara também, mas apenas o couro cabeludo se tornara
cinzento”.
O
rapaz notou que tinha o corpo todo coberto de feridas que lembravam as de um leproso.
Também não faltavam cicatrizes avermelhadas. Olhou os pés e viu que a variz
junto ao tornozelo havia se transformado numa grande inflamação.
Observou a magreza do
corpo que mais se parecia com um esqueleto... Pernas muito finas e joelhos
estranhamente mais grossos... Após virar-se para enxergar-se de lado notou o
quanto as costelas estavam ressaltadas. A coluna havia envergado de tal modo
que parecia que se partiria a qualquer momento.
Um
esqueleto... Era assim que Winston podia definir a si mesmo. Na altura do tórax
via um vazio! Estava tão magro que os ombros “arcavam-se para a frente” enquanto
o pescoço parecia não suportar a cabeça. No mínimo se concluiria que se tratava
de um tipo de “uns sessenta anos, vítima duma doença maligna”.
(...)
O’Brien aguardou o
suficiente até que o preso político, que se julgava melhor do que os homens do Partido Interno, se inteirasse de suas péssimas condições... Depois pôs-se a
falar a respeito das vezes em que Winston o via com o aspecto envelhecido e
cansado. Gritou e o agarrou pelo ombro, tirando-o da frente do espelho para que
ficassem frente a frente.
Provocou e o ofendeu...
Será que tinha conseguido se reconhecer nos espelhos? Um tipo cheio de
imundícies espalhadas pelas juntas. O fez olhar para a ferida da perna e
sentenciou que ele estava fedendo como um bode. Disparou que podia ser que já
nem conseguisse sentir o próprio cheiro.
Mostrou que se quisesse poderia contornar seu bíceps com dois dedos... E
quebrar-lhe o pescoço como se parte uma cenoura. Revelou que Winston perdera
vinte e cinco quilos desde que fora encaminhado ao Ministério do Amor e que sua
condição era tão degradante que até vinha perdendo cabelos aos tufos. Disse
isso e arrancou um punhado com extrema facilidade.
Exigiu que Winston abrisse a boca. Contou os dentes e anunciou que lhe
restavam apenas onze. Perguntou aos berros quantos ele possuía antes de ser
detido e esbravejou que aqueles que ainda não haviam caído podiam ser extraídos
com extrema facilidade.
Disse essas coisas e segurou um dos incisivos
com o polegar e o indicador... De fato, num instante o dente foi tirado pela
raiz do maxilar de Winston. Este sentiu o arrepio de dor e logo se viu atirado
ao chão por O’Brien.
(...)
Como se não bastasse
a tremenda humilhação imposta à sua vítima, O’Brien resolveu deixar-lhe a par
de sua real condição. Disse que estava “apodrecendo, caindo aos pedaços”. O fez
voltar-se novamente para os espelhos para que contemplasse “o último homem a
olhá-lo”. Não dizia que era humano? Pois bem, a “humanidade” estava diante de
seus olhos.
Winston começou a se vestir com os trapos imundos... Fez isso muito
lentamente enquanto pensava no fato de estar tão magro e por reconhecer que já
estava preso há muito mais tempo do que imaginava.
Parou
e sentiu a amargura de admitir que estava arruinado. Instintivamente atirou-se
numa cadeira que estava junto à cama e chorou. Não conseguia parar ainda que
soubesse que seu estado, “ossos em imunda roupa de baixo”, era similar ao de um
saco de lixo feio e fedorento, focado pela forte luz do ambiente... O que podia
fazer senão chorar copiosamente?
(...)
O’Brien colocou a mão
sobre o ombro de Winston... Como que a consolar-lhe, disse que aquilo não
duraria para sempre. Só dependia dele mesmo. O rapaz o olhou e respondeu que
sabia bem quem era o responsável pelos maus tratos que haviam sido impostos a
ele.
Disse
que O’Brien era o culpado. Este negou ao mesmo tempo em que sentenciava que o
único responsável pelo seu sofrimento era ele mesmo, que decidiu se voltar
contra o Partido. Devia saber que tudo o que sofreu já era previsto desde seu “primeiro
ato de traição”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto