Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-palestra-respeito.html antes
de ler esta postagem:
Os guinchos das ratazanas começaram a chegar aos
ouvidos de Winston... Eram apavorantes e, talvez porque quisesse a todo custo
anulá-los, inconscientemente calculava que ainda estavam distantes. Mas na
realidade a gaiola fora colocada bem à sua frente, e tudo indicava que os
bichos estavam ainda mais vorazes porque não conseguiam se atracar devido à
separação metálica.
O’Brien levantou a gaiola
e manipulou algo nela que a fez emitir um estalido. Winston não conseguia
conter o pavor e passou a se esforçar para se libertar da cadeira, mas todo o
seu corpo estava preso a ela. Escandalizado assistiu seu algoz aproximar ainda
mais a peça metálica de sua cabeça imobilizada. Ele fez questão de lhe explicar
que havia apertado a primeira das alavancas.
Ao revelar o que havia feito a gaiola emitir o estalido, O’Brien sugeriu
que o rapaz podia entender como ela funcionava... A “máscara de esgrima” se
adaptava perfeitamente à sua cabeça de tal modo que não sobraria nenhum espaço que
pudesse servir de “saída”. Esclareceu que havia outra alavanca que, quando
acionada, faria correr a portinhola que impedia a passagem das ratazanas... Uma
vez liberadas, se lançariam contra seu rosto.
O’Brien
quis saber se Winston já havia visto os ratos saltando. Ele devia saber que os
bichos avançariam ferozmente e o devorariam. Talvez atacassem primeiro os
olhos, mas podiam se interessar pelas bochechas que não resistiriam às dentadas
que logo chegariam à sua língua.
(...)
A gaiola estava tão
próxima que Winston passou a ter certeza de que os guinchos que ouvia vinham de
cima de sua cabeça. Não podia fazer nada para se defender. Então procurou
evitar o pânico e procurou pensar sobre alguma forma de escapar daquele ataque
horrendo.
O
problema é que já podia sentir o cheiro dos roedores e isso provocou uma náusea
tão agressiva que suas vistas se escureceram. Perdeu o sentido do que estava
vivenciando e começou a gritar. Essa atitude que aparentemente não o levaria a
lugar nenhum deu sentido à decisão de exclamar um nome. Sim, diria o nome de
outra pessoa que merecesse mais do que ele passar pelo suplício da gaiola das
ratazanas.
Ele sabia que a
alguns centímetros de seu rosto estava a portinhola a impedir que os roedores
avançassem. Os bichos medonhos que haviam crescido nos imundos esgotos pareciam
saber o que se sucederia, tanto é que um pulava afoitamente e o outro cheio de
escamas fungava e empurrava o metal com as patas.
O rapaz já conseguia
distinguir os dentes proeminentes e amarelados do bicho pestilento. Por isso
voltou a sentir a visão escurecer... Pensava que sabia o que devia fazer, mas o
pânico o impedia de se manifestar incisivamente.
Não podemos duvidar que O’Brien já soubesse o que se passava em sua
mente e talvez fosse por isso que ele mais o atazanou ao dizer que aquele
expediente era um dos castigos mais comuns na China dos tempos imperiais...
Falava como se estivesse dando prosseguimento à palestra ao público invisível,
mas não descuidava de fazer avançar a gaiola até tocar o rosto do infeliz.
Ao Winston não havia outra saída a não ser agarrar-se à esperança...
Tinha de gritar o nome de “alguém que merecia mais do que ele” aquela medonha
punição. A esperança era mínima e podia dar em nada, todavia esforçou-se o
máximo que conseguiu para extrair da confusão de sua mente o nome de quem
deveria substitui-lo. Enquanto pressentia a portinhola se abrir para o avanço
mortal das ratazanas, gritou loucamente ao O’Brien para que submetesse Júlia ao
castigo.
Repetiu várias vezes a mesma frase e emendou que
não se importava o que ocorresse a ela. Podiam arrancar-lhe a face e acabar com
seus ossos. Mas não com ele. “Comigo não!” era o que gritava insistentemente.
Preso à cadeira, não tinha qualquer mobilidade que pudesse proporcionar-lhe uma
escapada... Em seu devaneio, sentia-se caindo e atravessando o assoalho, as
grossas paredes até ultrapassar a fundação do prédio e atingir as profundezas
da terra, os oceanos e, desde as águas até a atmosfera e o “exterior, no vácuo
entre as estrelas – sempre longe, longe, longe dos ratos”.
O pânico o levara a
muitos “anos-luz”, mas O’Brien estava bem ali diante da cadeira que o prendia
dos pés à cabeça. E junto a mesma ainda estava a gaiola com as ratazanas. Tudo
parecia perdido... Winston ouviu novo estalido metálico que bem podia ser o da
liberação dos roedores.
Mas não foi isso o que ocorreu... O novo estalido era porque O’Brien havia
trancado a portinhola para não mais abri-la.
(...)
Então
foi isso... Winston teve de retornar à sala 101 e certamente isso rendeu novas
sessões marcadas por interrogatórios, torturas e injeções de psicotrópicos.
Mais uma vez ficamos sem saber a respeito do quanto tempo permaneceu na “reeducação”.
Infere-se
que o processo tenha sido mais célere devido às muitas informações acumuladas
sobre o preso político, além disso, a ciência desenvolvida pelo Partido deve
ter sido essencial para que chegassem à última sessão que o colocara diante do
maior de seus pavores. Pelo visto o horror o libertou das antigas “deficiências
sentimentais” para que passasse a devotar amor e fidelidade ao Grande Irmão.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-winston-no-cafe.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto