sábado, 1 de janeiro de 2022

“1984”, de George Orwell - dificuldade para responder às perguntas de O’Brien e formulação de sínteses que podiam expressar o modo de pensar dos dirigentes; dispositivo de dilaceração acionado em represália à “resposta cretina”; O’Brien explica o interesse do Partido pelo poder, ataca os “covardes e hipócritas nazistas e comunistas russos” e revela que revoluções são realizadas para instaurar ditaduras

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-retomada-das.html antes de ler esta postagem:

Quais seriam os motivos de o Partido se agarrar ao poder? Por que ele mantinha sua sede de poder? Afinal, o que se objetivava?
Essas eram perguntas que O’Brien esperava que Winston respondesse. Pelo visto elas introduziam a chamada segunda etapa de sua “reintegração”. O rapaz sabia que se tratava de um processo absurdo, já que pretendiam que sua confissão fosse a “mais pura” e sustentada por uma “reeducação ideológica”.
Ele estava esgotado física e emocionalmente e sabia que teria dificuldade para responder satisfatoriamente. Esforçou-se para sintetizar as obviedades que os mais fanáticos do Partido Interno carregavam em suas mentes:

                   “Que o Partido não buscava o poder em seu próprio benefício, mas pelo bem da maioria. Que procurava o poder porque os homens da massa eram criaturas débeis e covardes que não podiam suportar a liberdade nem enfrentar a verdade, e que deviam ser dominados e sistematicamente defraudados por outros, mais fortes que eles”.
                   “Que para o gênero humano a alternativa era liberdade ou felicidade e que, para a grande maioria, era preferível a felicidade. Que o Partido era o eterno guardião dos fracos, uma seita dedicada fazendo o mal para que o bem pudesse reinar, sacrificando sua própria felicidade à felicidade alheia”.

Como veremos mais adiante, não respondeu exatamente como havia sistematizado em suas reflexões. Além de não acreditar em nada daquilo, entendia que precisava formular frases que evitassem novos castigos.
(...)
O caso é que Winston, apesar de saber que não podia dar a entender que estivesse dissimulando, tinha convicção que um tipo como O’Brien podia dizer aquelas coisas com toda sinceridade. O homem estava diante de seus olhos e não deixava dúvida quanto à sua sapiência e fidelidade ao IngSoc.
Ele sentia-se inferiorizado em relação ao outro, que era “mil vezes melhor do que ele” e conhecia muito bem o mundo e a realidade que nos cerca... O membro do Partido Interno sabia da degradação a que as pessoas comuns estavam submetidas graças às “mentiras e barbaridades” praticadas pelo sistema. Tinha conhecimento de tudo, mas não ligava a mínima importância à situação catastrófica e decadente que resultava do poder constituído.
A constatação da inteligência e fanatismo de O’Brien levava Winston a admitir que contra ele nada podia... Mais confuso ficava conforme notava que o tipo prestava atenção aos seus argumentos sem permitir que eles fossem mais bem embasados, já que para ele apenas a “verdade do IngSoc” contava.
Ter de prestar contas a um fanático da primeira linha do Partido estava muito além das possibilidades do debilitado preso político, que se encheu de coragem e começou a responder que “o Partido governa em benefício de todos”... Ia emendando algo sobre a crença que homens como O’Brien tinham a respeito da falta de capacidade das pessoas comuns para se governarem, mas o dispositivo de dilaceração foi acionado e ele gritou de dor.
(...)
Seu corpo inteiro estremeceu. E isso se devia ao fato de O’Brien ter manipulado a alavanca do dispositivo à posição trinta e cinco na escala de intensidade. Na sequência disse que a resposta de Winston havia sido cretina. Ainda mais porque ele bem sabia que não podia dizer nada semelhante.
Depois que fez a alavanca retornar para a posição neutra, disse que ele mesmo responderia à pergunta que havia feito... Com a postura autoritária que lhe era característica sentenciou:

                   “O Partido procura o poder por amor ao poder. Não estamos interessados no bem-estar alheio; só estamos interessados no poder. Nem na riqueza, nem no luxo, nem em longa vida de prazeres: apenas no poder, poder puro”.

Observou que mais tarde entraria em maiores detalhes a respeito de “poder puro”. No momento tinha a dizer que a oligarquia da qual fazia parte se diferenciava dos poderosos do passado. E isso porque o Partido sabia bem o que estava fazendo... Aqueles do passado até podiam ter certas características semelhantes às do grupo dirigente do IngSoc, mas não passavam de “covardes e hipócritas”.
Citou “nazistas alemães e comunistas russos”, que em vários aspectos se aproximavam da alta cúpula do Partido. Mas destacou que aqueles “nunca tiveram coragem de reconhecer os próprios motivos”. Não passavam de fingidores e talvez alguns deles acreditassem que...

                   “haviam tomado o poder sem querer, e por tempo limitado, e que bastava dobrar a esquina para entrar num paraíso onde os seres humanos seriam iguais e livres”.

O’Brien insistiu que nem ele nem os demais dirigentes do Partido eram assim, pois sabiam que os que tomam o poder não o fazem com intenção de abandoná-lo. Disse ainda que “o poder não é um meio, é um fim”, e que quando se estrutura uma ditadura não é para dar sequência a uma revolução. Em vez disso, explicou, “faz-se a revolução para estabelecer a ditadura”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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