Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-o-novo-mundo.html antes
de ler esta postagem:
Winston havia dito que seria “impossível fundar
uma civilização sobre o medo, ódio e crueldade”, e arriscou discordar das
palavras de O’Brien a respeito do mundo que surgiria após o estabelecimento do
poder total nas mãos do Partido. Refutou suas considerações sobre a nenhuma
importância dada à vida das pessoas comuns e à defesa de que “o Partido é
imortal”.
Como vimos, o rapaz chegou
a dizer que o modelo idealizado por O’Brien seria derrotado. Neste ponto, ouviu-o
responder que o Partido controlava a vida “em todos os seus níveis”. Ele disse
que talvez Winston imaginasse que algo como a “natureza humana” pudesse se
voltar contra as medidas tomadas e as imposições do Partido, mas alertou que já
era tempo de saber que “os homens são infinitamente maleáveis” e que a tal
“natureza humana” era criada pelos especialistas do IngSoc.
Sugeriu que a outra possibilidade para a “interpretação errônea” de
Winston seria o fato de ele ainda imaginar que proletários e/ou escravos
realizariam a grande rebelião que derrubaria o Partido. Em relação a isso,
O’Brien o aconselhou a “perder a esperança”, pois aqueles eram frágeis e
inofensivos como os animais. Será que ainda não havia concluído que “a
humanidade é o Partido” e os que não pertencem a ele, os “de fora”,
simplesmente são desconsiderados?
(...)
Winston estava mesmo
disposto a se contrapor e disse que em algum momento no futuro aqueles
excluídos iriam derrotá-los. Emendou que se tratava de uma questão de tempo e
que tudo ruiria assim que reconhecessem a verdade sobre o Partido. O’Brien quis
saber se ele enxergava “algum sinal ou razão” para que aquilo se concretizasse.
De fato, o rapaz não
vislumbrava qualquer possibilidade, mas admitiu que era o que acreditava. Disse
que em algum momento o Partido cometeria falhas e isso seria fatal. Referiu-se
a “algo no universo”, talvez um espírito ou “princípio”, que não podia ser
vencido pelos dirigentes do IngSoc.
Ao ouvir o que considerou
um disparate, O’Brien perguntou-lhe se acreditava em Deus... A resposta
negativa levou à questão sobre o que seria o referido princípio que colocaria
fim à supremacia do Partido... Também a isso ele não soube responder, mas
sugeriu que podia ser algo como “o espírito do homem”.
(...)
Podemos imaginar o quanto
O’Brien se enfureceu com o diálogo. Não se conteve e resolveu humilhar
Winston... O que um trapo como ele estava pensando? Perguntou se se considerava
homem. Dessa vez a resposta foi afirmativa. Então sentenciou-lhe que devia ser
“o último homem”, pois devia pertencer a uma raça extinta que relutara em
reconhecer que o Partido havia herdado absolutamente tudo o que pode ser
dominado.
Provocou-o dizendo que, ao
considerar-se homem, estava isolado de todos e “fora da História”. Um
“não-existente”!
Ainda mais irado, perguntou se ele se considerava superior aos
dirigentes do IngSoc, que recorriam às mentiras e crueldades. Novamente a
resposta de Winston foi afirmativa, mas O’Brien nada disse... Em vez disso, a
sala foi tomada por outras duas vozes e o rapaz reconheceu a própria numa
delas. Tratava-se de uma gravação do diálogo que teve com ele na ocasião em que
o visitara com Júlia e se tornara integrante da “Fraternidade”.
A gravação reproduzia suas frases em que prometia “mentir, roubar,
forjar, assassinar, incentivar a toxicomania e a prostituição, a disseminação
de doenças venéreas, atirar vitríolo no rosto duma criança”.
O’Brien não conseguiu conter a impaciência e
silenciou a reprodução fonográfica. Depois vociferou ao Winston exigindo que se
levantasse imediatamente. As amarras que o ligavam à cama foram liberadas e com
muita dificuldade pôs-se a levantar-se.
O rapaz se endireitou o
melhor que pôde e percebeu que devia estar bem alquebrado enquanto O’Brien
ironizava ao dizer que estava vendo “o último homem, o guardião do espírito
humano”. Ainda muito irritado, exigiu que Winston se despisse para que pudesse
conferir o próprio aspecto.
Ele usava o macacão que estava ajustado em seu corpo magérrimo por um
barbante. Pensou que desde que havia sido preso não se despira. Por isso
surpreendeu-se ao notar que suas roupas de baixo não passavam de farrapos
imundos amarelecidos. Livrou-se delas e notou três espelhos instalados a um
canto da sala. Aproximou-se deles e não conseguiu conter o grito de horror.
(...)
O’Brien apressou-o exigindo
que se aproximasse mais para que se visse também de lado. Mas Winston estava
apavorado com o aspecto esquelético do próprio corpo, uma criatura cinzenta,
curvada e apavorante. O mais dramático era saber que o que via refletido no
espelho era ele mesmo:
“A cara da criatura parecia se
projetar, por causa do corpo arcado. Uma cara triste de presidiário, com a testa
ossuda se prolongando pelo crânio calvo, um nariz adunco e zigomas salientes,
acima dos quais os olhos apareciam vigilantes e ferozes”.
Uma aparência assustadora,
sem dúvida...
Como
veremos, os espelhos revelaram-lhe mais de seu degradante aspecto.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto