Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-nao-bastava.html antes
de ler esta postagem:
Winston não conseguia definir uma noção completa
da cela em que estava... Da cadeira em que o amarraram, impedindo que
movimentasse até mesmo a cabeça, podia ver no máximo duas mesas de tampos
revestidos com feltro esverdeado. Uma delas estava a pouco mais de um metro e a
outra estava mais afastada.
Ele havia despertado de um
estado de sonolência certamente induzido pelas substâncias que lhe injetavam...
Percebeu que o prenderam na cadeira e que ataram almofadas a cada um dos lados
de seu rosto, e era por isso que só podia olhar para a posição das mesas.
Estava só até que a porta se abriu e O’Brien entrou.
(...)
O membro do Partido Interno foi falando a respeito da ocasião em que
Winston lhe perguntara sobre o que havia na sala 101 e lembrou que havia
respondido que ele sabia a resposta... Ressaltou que “todos sabem” que “é a
pior coisa do mundo”. Na sequência a porta se abriu novamente, e dessa vez um
dos guardas trouxe um objeto que lembrava uma cesta trançada de arame e o
deixou na mesa que estava mais afastada.
O tipo uniformizado saiu e
Winston ficou curioso querendo saber do que se tratava, mas não conseguia
contemplar o objeto porque O’Brien estava bem à sua frente. Este retomou sua
falação a respeito da sala que continha “a pior coisa do mundo” e emendou que
isso variava de acordo com cada indivíduo. Esclareceu que para cada um havia
uma situação ou evento que concentrava em si mesmo o que havia de pior... Para
uns podia “ser o sepultamento vivo”, para outros “a morte pelo fogo,
afogamento, empalamento, ou cinquenta outras mortes”.
Sem dúvida todas as
situações citadas se referiam a mortes horrendas, mas O’Brien fez questão de
destacar que havia casos em que consideravam que a pior coisa do mundo” se
relacionava a episódios não vinculados à morte... Disse isso e se afastou um
pouco para que Winston pudesse enxergar o objeto que estava sobre a mesa mais
afastada.
(...)
O rapaz pôde ver que se
tratava de uma grande gaiola retangular. Era toda de arame e na parte de cima
havia uma alça. Num dos lados havia uma estrutura que lembrava uma “máscara de
esgrima”, sendo que a parte côncava ficava para fora.
Apesar da distância,
Winston pôde notar que a gaiola tinha uma divisão no sentido longitudinal e que
cada um dos compartimentos guardava uma enorme ratazana. O’Brien voltou a falar
e sentenciou que, no caso de Winston, a “pior coisa do mundo” eram ratos. No
mesmo instante o rapaz pareceu adivinhar a funcionalidade da estrutura côncava,
que só podia indicar a parte da frente, e isso o fez estremecer dos pés à
cabeça. Sem que percebesse, começou a implorar numa voz afinada para que “não o
fizesse” e que “não podia fazê-lo”, aquilo (que antevia) era impensável e
“impossível”.
O’Brien não lhe deu
ouvidos... Apenas o fez se lembrar “dos momentos de pânico” que experimentava
em sonhos e falou a respeito da “grande muralha, do ronco que lhe chegava aos
ouvidos e do ‘algo terrível’ que devia estar do outro lado”. Apesar de saber do
que se tratava, jamais arriscava admitir que “eram ratos que estavam do outro
lado da muralha”.
Essas palavras não deixaram dúvidas e Winston passou a ter certeza a
respeito do que sofreria em breve. Por isso esforçou-se para controlar a voz e
implorou... Apelou, dizendo que O’Brien sabia que aquilo não seria
necessário... Era apenas uma questão de dizer-lhe o que esperava que fizesse...
O homem não respondeu... E quando voltou a falar foi como se estivesse
proferindo uma palestra a uma plateia invisível. Disse que “a dor nunca é
suficiente” e que há casos “em que o ser humano resiste à dor, mesmo sob risco
de morte”. Apesar disso, sempre se pode descobrir “algo insuportável - algo que
não pode ser contemplado”. Acrescentou que aquilo nada tinha a ver com “coragem
ou covardia”.
Fez essa introdução e deu alguns exemplos...
Disse que não era covardia a pessoa que caía de um local alto procurar uma
corda para se agarrar; ou se buscava “encher os pulmões de ar” logo após
retirar-se de águas profundas. As reações não passavam de instinto de
sobrevivência e não podiam ser evitadas.
Como que a concluir essa
primeira parte, disse que no caso de Winston o insuportável eram as ratazanas.
Ele as via como “forma de pressão” insuportável... Mesmo que se esforçasse para
reagir ao trauma não teria como vencê-lo, restando-lhe apenas obedecer às
exigências que lhe fossem dirigidas.
(...)
Winston estava desesperado e o interrompeu querendo saber o que exigiam
dele. Ao mesmo tempo protestou que não poderia fazer o que não sabia ou o que
pretendiam que fizesse. O’Brien pegou a gaiola e a transferiu para a mesa mais
próxima.
No mesmo instante o rapaz
sentiu a orelha esquentar como se seu sangue estivesse fervendo. De tal modo o
pânico se instalou que passou sentir que estava numa “vasta planície erma, um
deserto plano banhado de sol” e que “os sons lhe chegavam de grandes
distâncias”. Mas o caso é que as enormes ratazanas estavam bem perto e seus
“focinhos rombudos e pelo pardo, em vez de cinzento” já podiam ser
visualizados.
O’Brien
continuou a falar em seu tom professoral que, apesar de roedores, os ratos
também são carnívoros. Emendou que o próprio Winston podia confirmar, pois já
tinha ouvido falar a respeito das tragédias que ocorriam nos bairros proles,
onde as mulheres não podiam permitir que as crianças permanecessem sozinhas
fora de casa, pois podiam ser atacadas pelos ratos que, em pouco tempo podiam
devorá-las até que só restassem ossos... Destacou que os ratos possuíam sua
inteligência, já que atacavam pessoas fragilizadas, “doentes e moribundas”.
Isso significa que os roedores podiam descobrir “quando um ser humano está
indefeso”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-panico-diante-da.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto