Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-o-poder-se-exerce.html antes
de ler esta postagem:
Falando a respeito do poder exercido pelo
Partido e sobre o que se podia esperar do futuro, O’Brien voltou a se referir à
alegoria que expôs anteriormente e repetiu que “o rosto sempre estará ali para
ser pisado”. E, como não podia deixar de ser, este rosto seria o do “herege”, o
ousado traidor que se dispusesse a se manifestar contra a sociedade. Tipos que,
como Winston, seriam sempre “derrotados e humilhados”.
Disse ao rapaz que
ele precisava saber que, ao cair nas mãos da repressão do Partido, os
sediciosos sofreriam demais. Winston sabia isso por experiência própria e devia
aceitar de uma vez por todas que o terror sobre os criminosos políticos
pioraria sempre mais.
A espionagem promovida pelo Partido continuaria a se especializar. Desse
modo, “os processos por traições, prisões, torturas, execuções e
desaparecimentos” jamais deixariam de ocorrer. Este panorama completaria o
mundo que estaria por vir, todo ele marcado pelo terror e triunfo, resultado da
maior concentração de poder nas mãos do Partido: “e quanto mais poderoso, mais
rígido o despotismo, maior a perseguição aos opositores e nula a tolerância”.
(...)
Algum
desavisado poderia imaginar que conforme esse “estado de coisas” se configurasse
não mais ocorreriam ações de agentes de Goldstein... O’Brien alertou que seria
bem o contrário, e garantiu que elas seriam uma constante. Evidentemente seriam
sempre derrotadas e ridicularizadas pelo regime, mas era certo que “sobreviveriam”.
Não há como não observarmos que essa situação era das mais convenientes para o
Partido. Tanto é que O’Brien deixou claro que “o drama que vinha representando
com Winston”, que já durava sete anos (sete anos!), seria representado “inúmeras
vezes, geração após geração, sempre em formas mais sutis”.
Isso significa que jamais
deixariam de ocorrer as ações repressivas com os “ideocriminosos” completamente
sujeitados aos mecanismos de tortura como os que Winston vinha sofrendo. Sempre
haveria hereges supliciados por agentes como O’Brien, e eles seriam quebrados,
gritariam desesperados até chegarem ao arrependimento completo, “salvos de si e
rastejando aos pés dos torturadores por sua própria vontade”.
(...)
Um
mundo sombrio se avizinhava... Tipos como Winston nada poderiam fazer para
impedir:
“um mundo de vitória após
vitória, de triunfo sobre triunfo sobre triunfo: infinda pressão, pressão,
pressão sobre o nervo do poder”.
O’Brien fez questão
de destacar essas palavras e na sequência dirigiu uma advertência ao preso
político... Disse que pelo visto ele estava “percebendo” como seria o mundo dominado
pelo IngSoc. Mas era certo que, “mais que compreender”, ele aceitaria,
aclamaria e faria parte do “novo mundo”.
Winston esforçou-se física e mentalmente para conseguir falar. Arriscou
exclamar que O’Brien e seus companheiros de Partido Interno não conseguiriam
levar a cabo o projeto que acabava de ouvir. O que estava querendo dizer? O outro
perguntou no mesmo instante e ele respondeu que a descrição toda só podia ser entendida
enquanto um sonho improvável e impossível se realizar.
Ele teve de explicar melhor o seu juízo e falou que seria “impossível
fundar uma civilização sobre o medo, ódio e crueldade”. Sua duração seria
efêmera... A falta de vitalidade a levaria à extinção. É lógico que O’Brien não
concordou e disse que o raciocínio do rapaz não passava de desbaratada tolice,
e pelo visto levava em consideração a opinião “de que o ódio cansa mais que o
amor” para atacar um projeto perfeito.
De qualquer modo, quis partir da premissa do debilitado
detento e perguntou “que diferença faria” se realmente o ódio cansasse mais...
Sugeriu que poderiam “acelerar o ritmo da vida humana” de modo a “gastá-la mais
depressa” e, nesse caso, antecipar a senilidade para a idade de trinta anos. O’Brien
perguntou se faria alguma diferença... O definhamento, a morte do indivíduo, em
nada importava, já que “o Partido é imortal”.
Winston pensou que
não devia ter dito nada... Como sempre ocorria, as palavras corretivas chegavam
aos seus ouvidos como advertências que massacravam e o lembravam de que era
impotente diante de seu algoz. Estava se arriscando, pois a alavanca do dispositivo
podia ser movimentada a qualquer momento para provocar-lhe as dores
dilacerantes.
Apesar
disso, sentia que não devia se calar e, ainda que não conseguisse concatenar argumentos,
resolveu dar uma resposta... Falou que também via pouca importância na defesa que
O’Brien fez em relação ao enaltecimento da “imortalidade do Partido”. No fundo
não sabia exatamente o que dizer, mas sentia que aquilo falharia de alguma
maneira e então o modelo idealizado fatalmente seria derrotado.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/01/1984-de-george-orwell-discordancias-de.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto