sábado, 19 de dezembro de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – posição dos “homens de cor livres” em relação ao movimento revolucionário dos escravos em Saint Domingue e a expectativa da “Sociedade dos amigos dos Negros”; fragmentos dos argumentos do deputado Armand-Guy Kersaint; ambiguidade dos “homens de cor livres”; a República e seus inimigos na Europa e no Caribe; alianças dos cultivadores brancos com ingleses, e dos negros rebelados com espanhóis; comissários da República francesa em missão no Caribe

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/12/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_14.html antes de ler esta postagem:

Após o fracasso da revolta dos “homens de cor livres” liderada por Vincent Ogé, a campanha pelos direitos desse segmento teve prosseguimento e, como vimos, a “Sociedade dos Amigos dos Negros” conseguiu a aprovação do decreto (maio de 1791) que garantia direitos políticos aos “homens de cor livres nascidos de mães e pais livres”. Vimos também que os deputados anularam o decreto de maio de 1791 por causa da revolta dos escravos em Saint Domingue...
(...)
Na sequência das reflexões propostas por Lynn Hunt, somos levados a pensar sobre de que modo
os “homens de cor livres” se posicionavam em relação ao movimento dos escravos da ilha. Como sabemos, também eles possuíam cativos. Além disso, muitos haviam participado dos grupamentos armados que perseguiam escravos fugitivos. No começo dos acontecimentos revolucionários na França, a “Sociedade dos Amigos dos Negros” entendia que os “homens de cor livres” de Saint Domingue poderiam barrar as agitações de escravos mais radicais e até servirem de “mediadores em qualquer futura abolição”.
As ideias da “Sociedade dos Amigos dos Negros” eram repelidas pela maioria dos deputados... Mas conforme o movimento rebelde em Saint Domingue se mostrou incontrolável para as autoridades coloniais, muitos deles resolveram apoiá-las. Sobretudo a partir de 1792. Em síntese, esperavam uma união dos “homens de cor livres” com os brancos dos extratos inferiores em apoio às tropas da metrópole. Isso deveria derrotar tanto os ricos cultivadores brancos quanto os escravos rebelados.
A historiadora destaca trechos de argumentos de um dos deputados, Armand-Guy Kersaint*, que exemplificam o anteriormente exposto:

                   “Essa classe (referia-se aos brancos pobres) é reforçada pela dos homens de cor livres que possuem propriedade: esse é o partido da Assembleia Nacional nesta ilha. (...) Os receios de nossos colonos (os ricos cultivadores brancos) têm, portanto, fundamento, uma vez que eles têm tudo a temer da influência de nossa revolução sobre seus escravos. Os direitos do homem derrubam o sistema em que se assentam suas fortunas, (...) Somente mudando os seus princípios é que (os colonos) salvarão as suas vidas e as suas fortunas”.

                   * A respeito de Kersaint, podemos ressaltar que ele pertencia à nobreza, possuía plantações e era um antigo oficial da Marinha. Como deputado, participou intensamente dos referidos debates e aos poucos passou a sustentar a ideia de uma “abolição gradual da escravidão”.

Já os “homens de cor livres” tiveram envolvimentos nos conflitos marcados pela ambiguidade, pois em alguns episódios apoiaram os brancos proprietários em sua luta contra a sublevação dos escravos. Em outras ocasiões os rebeldes receberam o seu apoio.
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Novamente vemos o debate em torno dos direitos, e depois da aprovação da Declaração de 1789, concomitantemente a um episódio de luta por direitos, no caso a rebelião dos escravos em Saint Domingue...
A mesma Assembleia que havia decretado que a discussão não se aplicava às colônias, teve de admitir que os direitos abrangiam localidades e grupos distanciados geograficamente da metrópole. Não demorou e os que se opunham a estender os direitos aos “homens de cor livres” tiveram de concordar que a reflexão (e tomadas de decisões) sobre o sistema escravagista dizia respeito à condição daquele segmento social. Entenderam que tão logo reconhecessem os direitos, a abolição seria o próximo passo.
(...)
Em 1793 a Revolução tomou um rumo mais radical na França... A República foi declarada e a Grã-Bretanha tornou-se o principal inimigo externo... No Caribe, onde as colônias estavam em polvorosa, o maior rival era a Espanha.
O conturbado panorama da metrópole levou os ricos cultivadores brancos a buscarem socorro junto aos britânicos. Por outro lado, vários escravos rebelados (iludidos por falsas promessas de libertação) resolveram se juntar aos espanhóis que dominavam a outra metade da ilha.
Dois comissários franceses foram enviados aos rebelados em agosto de 1793... Eles chegaram com promessas de abolição aos que lutassem em defesa da República. Também seus familiares seriam contemplados com a liberdade e terra. Depreende-se que a tarefa desses comissários não tenha obtido o êxito esperado, tanto é que no final do mesmo mês encontravam-se prometendo “liberdade a províncias inteiras”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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