Podemos imaginar o quanto o manicongo ficou
satisfeito com tudo o que D. João II lhe enviou... Rui de Pina registrou em “Relação
do Reino do Congo” as palavras de agradecimento que a autoridade africana teria
transmitido ao embaixador Rui de Sousa:
“Deus Todo Poderoso, graças
à Sua misericórdia, fez-me viver tanto tempo que nos dias de minha vida possa
agradecer ao teu rei pelos inúmeros benefícios, pois lhe darei presentes como
sinal de louvor e honra e estarei sempre pronto a satisfazer os seus desejos e
mandamentos e tudo o que eu terei no meu domínio será comum com Sua Majestade e
nenhuma coisa será para mim mais agradável do que obedecer em todas coisas à
sua vontade”.
Como se vê, o governo lusitano parecia ter mesmo alcançado o seu
principal intento em relação ao manicongo: obter uma aliança efetiva contra os
muçulmanos.
No
início de maio de 1491, Nzinga a Nkuwu, o manicongo, foi batizado e recebeu o
nome de João... Além disso comprometeu-se em fidelidade com o rei português. Um
mês depois, os aliados europeus o ajudaram a debelar um movimento dos angicos,
tribo que deveria lhe ser fiel, ocupava “certas ilhas ao pé do Rio Padrão” e
que havia se tornado sediciosa.
Na metade deste mesmo
ano, o “rei africano” declarou ao Rui de Sousa, e recomendou que fosse
transmitida a D. João II, a seguinte mensagem:
“E que à Sua
Majestade não dou nada em câmbio dos navios e da gente que me foi de grande
ajuda em debelar e vencer os inimigos meus súditos, exceto que como
reconhecimento por tanto merecimento atribuo a mim próprio como súdito, na
mesma maneira em que são os outros seus e com todas as minhas coisas”.
Na época em que Rui
de Sousa deixou as terras do manicongo as relações políticas pareciam estar
melhores do que o governo português podia esperar... Mas uns dez anos depois a
situação sofreu certo abalo devido à implicância dos missionários católicos enviados
ao território africano.
Os padres não admitiam
os rituais religiosos e certos costumes dos nativos... E insistiam que não
havia como tolerá-los a partir dos preceitos de Roma. Num primeiro momento os
missionários implicaram com diversos objetos que eram cultuados pelos africanos.
O rigor teológico dos padres os impeliu à quebradeira dos símbolos, que
consideravam enfeitiçados. Obviamente isso não foi aceito pelos súditos de D.
João, mani Nzinga a Nkuwu.
Outra implicância dos religiosos portugueses foi com a poligamia,
costume arraigado entre as tribos locais. Os missionários queriam incutir a
monogamia, privilegiando a figura do “pai-marido” como garantidor da defesa dos
bens e propriedade do núcleo social e figura essencial para o processo
sucessório.
O “rei africano”, antes de se converter ao cristianismo, era reconhecido
pelos diversos clãs como o maior chefe... Para manter a paz e a unidade, havia
contraído diversos casamentos com mulheres oriundas dos diferentes núcleos. A
questão que se apresentava era sobre a inviabilidade de se colocar em xeque a
estabilidade política local unicamente para satisfazer as “razões
moral-religiosas trazidas de fora”.
Obviamente os vários chefes locais apoiaram D.
João, o mani Nzinga a Nkuwu, em sua convicção de manter-se fiel às tradições
congolesas... Eles rejeitavam por completo as imposições de princípios, normas
e regras dos portugueses. Houve rebelião e entre os mais aguerridos estava o
virtual sucessor do “rei africano” pela tradição local, seu sobrinho, o jovem
guerreiro Mpangu a Kitina. Este era tão contrário à influência estrangeira que
recusou o batismo trazido pelos missionários.
O D. João do Congo
mostrou-se disposto a deixar o apoio português para se reaproximar das
tradições do seu povo e assim manter a estabilidade política local. O grande
problema foi a posição de seu filho, Mbemba a Nzinga, que era chefe no Sundi
(área localizada “quase na curva do rio Zaire, a noroeste”)... Ele ostentava o
título de Mani Nsundi e apoiava a imposição católica, tanto é que, em seu
território, fez do catolicismo a religião oficial.
D.
João do Congo, o mani Nzinga a Nkuwu, afastou-se do catolicismo e reconheceu
que o próprio filho se tornara rebelde... Apesar das pressões de lideranças
como Mpangu a Kitina e de Mani Vunda (que era um chefe religioso) para a
deflagração de um ataque radical ao Mbemba a Nzinga, D. João do Congo evitou o
confronto. Ele morreu no final de 1505 e naquelas circunstâncias o Congo passou
a enfrentar uma “situação de vácuo político-religioso”.
Continua em
https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_20.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto