segunda-feira, 13 de julho de 2020

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – fragmentos de Rui de Pina acerca do reconhecimento do “rei africano” em relação à liberalidade do rei português; progressos na aliança e fidelidade de D. João, o mani Nzinga a Nkuwu; ataques dos missionários católicos aos símbolos religiosos africanos e à poligamia; conflitos e arrefecimento da aliança do “rei africano”; radicalismo de Mpangu a Kitina e assimilação cultural do filho do “rei africano”; morte D. João, Nzinga a Nkuwu e implicações político-religiosas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes de ler esta postagem:

Podemos imaginar o quanto o manicongo ficou satisfeito com tudo o que D. João II lhe enviou... Rui de Pina registrou em “Relação do Reino do Congo” as palavras de agradecimento que a autoridade africana teria transmitido ao embaixador Rui de Sousa:

                   “Deus Todo Poderoso, graças à Sua misericórdia, fez-me viver tanto tempo que nos dias de minha vida possa agradecer ao teu rei pelos inúmeros benefícios, pois lhe darei presentes como sinal de louvor e honra e estarei sempre pronto a satisfazer os seus desejos e mandamentos e tudo o que eu terei no meu domínio será comum com Sua Majestade e nenhuma coisa será para mim mais agradável do que obedecer em todas coisas à sua vontade”.

Como se vê, o governo lusitano parecia ter mesmo alcançado o seu principal intento em relação ao manicongo: obter uma aliança efetiva contra os muçulmanos.
No início de maio de 1491, Nzinga a Nkuwu, o manicongo, foi batizado e recebeu o nome de João... Além disso comprometeu-se em fidelidade com o rei português. Um mês depois, os aliados europeus o ajudaram a debelar um movimento dos angicos, tribo que deveria lhe ser fiel, ocupava “certas ilhas ao pé do Rio Padrão” e que havia se tornado sediciosa.
Na metade deste mesmo ano, o “rei africano” declarou ao Rui de Sousa, e recomendou que fosse transmitida a D. João II, a seguinte mensagem:

                   “E que à Sua Majestade não dou nada em câmbio dos navios e da gente que me foi de grande ajuda em debelar e vencer os inimigos meus súditos, exceto que como reconhecimento por tanto merecimento atribuo a mim próprio como súdito, na mesma maneira em que são os outros seus e com todas as minhas coisas”.

(...)
Na época em que Rui de Sousa deixou as terras do manicongo as relações políticas pareciam estar melhores do que o governo português podia esperar... Mas uns dez anos depois a situação sofreu certo abalo devido à implicância dos missionários católicos enviados ao território africano.
Os padres não admitiam os rituais religiosos e certos costumes dos nativos... E insistiam que não havia como tolerá-los a partir dos preceitos de Roma. Num primeiro momento os missionários implicaram com diversos objetos que eram cultuados pelos africanos. O rigor teológico dos padres os impeliu à quebradeira dos símbolos, que consideravam enfeitiçados. Obviamente isso não foi aceito pelos súditos de D. João, mani Nzinga a Nkuwu.
Outra implicância dos religiosos portugueses foi com a poligamia, costume arraigado entre as tribos locais. Os missionários queriam incutir a monogamia, privilegiando a figura do “pai-marido” como garantidor da defesa dos bens e propriedade do núcleo social e figura essencial para o processo sucessório.
O “rei africano”, antes de se converter ao cristianismo, era reconhecido pelos diversos clãs como o maior chefe... Para manter a paz e a unidade, havia contraído diversos casamentos com mulheres oriundas dos diferentes núcleos. A questão que se apresentava era sobre a inviabilidade de se colocar em xeque a estabilidade política local unicamente para satisfazer as “razões moral-religiosas trazidas de fora”.
Obviamente os vários chefes locais apoiaram D. João, o mani Nzinga a Nkuwu, em sua convicção de manter-se fiel às tradições congolesas... Eles rejeitavam por completo as imposições de princípios, normas e regras dos portugueses. Houve rebelião e entre os mais aguerridos estava o virtual sucessor do “rei africano” pela tradição local, seu sobrinho, o jovem guerreiro Mpangu a Kitina. Este era tão contrário à influência estrangeira que recusou o batismo trazido pelos missionários.
O D. João do Congo mostrou-se disposto a deixar o apoio português para se reaproximar das tradições do seu povo e assim manter a estabilidade política local. O grande problema foi a posição de seu filho, Mbemba a Nzinga, que era chefe no Sundi (área localizada “quase na curva do rio Zaire, a noroeste”)... Ele ostentava o título de Mani Nsundi e apoiava a imposição católica, tanto é que, em seu território, fez do catolicismo a religião oficial.
D. João do Congo, o mani Nzinga a Nkuwu, afastou-se do catolicismo e reconheceu que o próprio filho se tornara rebelde... Apesar das pressões de lideranças como Mpangu a Kitina e de Mani Vunda (que era um chefe religioso) para a deflagração de um ataque radical ao Mbemba a Nzinga, D. João do Congo evitou o confronto. Ele morreu no final de 1505 e naquelas circunstâncias o Congo passou a enfrentar uma “situação de vácuo político-religioso”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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