sexta-feira, 31 de julho de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – ainda sobre a discussão dos direitos aos protestantes e argumentos contrários à extensão aos judeus da França da época de sua Revolução; sobre o Edito de 1787, direitos civis aos protestantes e bloqueio do efetivo direitos por certas cortes; considerações de Saint-Étienne sobre as mudanças de postura dos deputados em relação à votação de 24 de dezembro de 1789; Tackett e sua opinião sobre a rejeição dos moderados à postura dos conservadores; argumentações do abade Jean Maury em favor dos protestantes e contrárias aos judeus; petição de judeus do sul da França com justificativas similares às dos protestantes sobre a aprovação de direitos iguais

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_19.html antes de ler esta postagem:

Com o debate em torno da concessão de direitos aos protestantes teve início vários outros a respeito dos direitos para as demais minorias, notadamente a dos judeus. O fato é que os direitos garantidos aos católicos haviam se tornado parâmetro para as outras demandas.
Vimos que ocorreu a discussão em torno dos direitos aos que exerciam profissões historicamente mal vistas, como a dos atores e dos carrascos... Muitos colocaram objeções, mas elas não receberam apoio significativo. No caso dos judeus foi diferente, já que se verificou grande resistência. O livro cita que certo deputado que se dispunha a discutir a emancipação do segmento argumentava sobre os judeus que:

                   “sua ociosidade, a sua falta de tato, um resultado necessário das leis e condições humilhantes a que estão sujeitos em muitos lugares, tudo contribui para torná-los odiosos”.

Para o referido membro da Assembleia, a aprovação dos direitos aos judeus acabaria se tornando motivo de perseguição a eles porque certamente haveria uma reação negativa e violenta da população. Várias agitações contra as comunidades judaicas haviam ocorrido no leste do país e não era por acaso que o deputado fazia a observação.
Como vimos anteriormente, na véspera do Natal de 1789 os deputados aprovaram a extensão dos direitos aos que não professavam o catolicismo e às profissões de um modo geral, todavia o tema específico dos judeus foi adiado.
(...)
A aprovação dos direitos aos protestantes contou com a aprovação de grande parte dos membros da Assembleia. Um deles registrou em seu diário a alegria que o contagiou por ocasião da votação.
É bem verdade que o chamado Edito de Tolerância de 1787 representou um grande avanço para os protestantes... A partir de sua promulgação eles puderam praticar os seus cultos, casar e “transmitir sua propriedade” aos filhos devidamente registrados. Tudo reconhecido pelos oficiais, entretanto a esses direitos civis não se acrescentavam “direitos iguais de participação política”.
Apesar do Edito, em algumas regiões as altas cortes continuaram a obstruir sua aplicação até 1789 e pode-se dizer que ao tempo da aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vários representantes ainda resistiam em relação à aprovação da liberdade religiosa.
(...)
A pergunta que podemos lançar é em relação aos motivos de haver a significativa mudança observada em dezembro... Para Rabaut Saint-Étienne, os representantes protestantes na Assembleia passaram a assumir maior “responsabilidade cívica”. E eles não eram poucos, já que somavam vinte e quatro deputados, incluindo ele mesmo.
Antes dessas discussões, e apesar das restrições impostas por oficiais de certas cortes, os protestantes já ocupavam alguns cargos e chegaram a participar das eleições para os Estados Gerais.
Timothy Tackett, que Lynn Hunt considera o mais importante “historiador da Assembleia Nacional”, aponta que os conflitos políticos internos entre os deputados explicam em muito a mudança de opinião em relação aos protestantes. Para ele, os moderados sentiam-se incomodados pelo modo como os conservadores obstruíam discussões e votações e terminaram votando junto com os esquerdistas favoráveis à extensão dos direitos.
Um dos que se destacaram por obstruções ao debate e à aprovação dos direitos era Jean Maury, clérigo e abade, evidentemente representante do Primeiro Estado... Mas mesmo ele discursava em favor dos direitos aos protestantes que praticavam religião e se submetiam a leis como os católicos. Fazia isso ao mesmo tempo em que se declarava contrário à extensão aos judeus, e assim formulava uma distinção “evidente” entre as duas minorias.
(...)
No sul da França havia comunidades judias de portugueses e espanhóis que se organizaram na elaboração de uma petição direcionada à Assembleia. No documento argumentavam que já exerciam direitos em algumas localidades.
Como se vê, a ideia de apresentar uma minoria religiosa mais “habilitada aos direitos” do que outra apenas “alargou a fenda na porta”, e a argumentação que fez avançar as votações em favor dos protestantes passou a ser utilizada pelos judeus.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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