sábado, 25 de julho de 2020

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – citações de Alfredo de Albuquerque Felner sobre outros nomes pelos quais Nzinga a Nukuwu era chamado; das diferenças entre as estruturas europeia e da África Subsaariana ao tempo do contato dos portugueses com o Congo; fragmentos de “Mãe Negra”, de Basil Davidson; culto aos antepassados e fragmentos de “Los negros”, de Maurice Delafosse; migrações desde o sul do Zaire e origens do manicongo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_20.html antes de ler esta postagem:

O manicongo Nzinga a Nukuwu, “rei” do Congo cristianizado pelos portugueses e batizado como D. João, também é chamado por outros nomes em diferentes citações que tratam da História da região... Tinhorão cita alguns:

                   “Mocingacua, Manimocamini, Monimolyamini e, ainda, Muzinga Angu” conforme “documento de 1624 citado por Alfredo de Albuquerque Felner em ‘Angola: apontamentos sobre a ocupação e início do estabelecimento dos portugueses no Congo’”, de 1933.

(...)

Na época em que começaram as tratativas com o “rei” do Congo os reis portugueses não tinham a menor noção das diferenças e distanciamento estruturais entre o seu país e o território africano.  No começo de 1491 D. Manuel lidou com o pretenso aliado da África Subsaariana sem atentar para este importante detalhe... A ideia de um regimento para o reino do Congo conforme citado na última postagem teve este viés.
Obviamente não se levava em consideração que enquanto os europeus estavam superando contextos medievais e desenvolviam novos conceitos (também de valorização das realizações individuais) e estruturas a partir do Renascimento, a realidade da gente do manicongo resumia-se à sua condição de coletivismo vinculada a “uma economia local de trocas, com uma conchinha (nzimbu) servindo de moeda apenas como valor de referência para a realização de permutas”.
A partir de “Mãe Negra”, de Basil Davidson, Tinhorão destaca que:

                   “Quando os portugueses chegaram à África Ocidental, numa época de autocracia na Europa, julgaram encontrar ali as mesmas hierarquias rígidas de poder e de precedência que conheciam na sua terra. Apressaram-se em interpretar a África em termos de Portugal de quatrocentos”.

(...)
Também o modo como os africanos lidavam com a propriedade causou estranhamento aos portugueses... Fundamentados no Direito Romano, os europeus reconheciam e defendiam a propriedade privada. A gente de Nzinga a Nkuwu se orientava por antigo costume que sustentava que a utilização do solo deve ser coletiva... Para os africanos, mesmo a terra por eles ocupadas não lhes pertencia. A ideia que se admitia era a de que seus antepassados lhes concederam para que tirassem dela os recursos necessários para a sobrevivência. Cada geração tinha o compromisso e a responsabilidade de cuidar da terra e de repassá-la para os descendentes. E assim deveria ser “até o fim dos tempos”.
A respeito das informações contidas no parágrafo anterior, Tinhorão destaca trecho de “Los negros”, do etnólogo Maurice Delafosse:

                   “A terra, em verdade, não se liga a um indivíduo ou, pelo menos, só se liga a ele enquanto representante de uma coletividade. Neste caso é o antepassado fundador da família que, ao encontrar um espaço de terra vago e sem indicação de posse anterior, terá de certo modo firmado com ele como que um contrato pelo qual obtém o direito de uso em caráter exclusivo e perpétuo em favor da coletividade”.

Essa concepção fez com que entre os africanos se estabelecesse um culto aos ancestrais... Há informações de que isso tenha se estruturado cerca de um século ou século e meio antes da chegada dos portugueses à região... Grandes chefes foram zelosos no cumprimento da tradição que se tornou parte fundamental da mentalidade religiosa de seu povo... A partir das informações do jesuíta André Cordeiro, que passou parte da vida no Brasil, recolhidas pelo citado Alfredo Felner, reconhecia-se que o primeiro desses grandes chefes teria sido:

                   “Motino Bene, ou Nitnu Wene, já a indicar com tal nome sua condição de Nitnu, chefe maior, e Mwenw ou Muene, autoridade (origem do título Mani)”.

O livro destaca que os fundadores das famílias mais antigas se tornavam reverenciados pelos descendentes, e estes levavam os cultos para onde fossem. Outros que se incorporassem ao grupo só eram definitivamente admitidos a partir do momento que se submetiam à tradição de culto aos fundadores e ao conselho dos mais antigos.
Destaca ainda que os primórdios dessa mentalidade entre os africanos do Congo datariam do começo dos anos 1300, quando ocorreram migrações desde o sul do Zaire em direção ao “planalto central da região do Mpemba, onde à margem do rio Lunda ficava a climaticamente privilegiada futura capital Mbanza Congo, que após a chegada dos cristãos seria São Salvador”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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