O
manicongo Nzinga a Nukuwu, “rei” do Congo cristianizado pelos portugueses e
batizado como D. João, também é chamado por outros nomes em diferentes citações
que tratam da História da região... Tinhorão cita alguns:
“Mocingacua, Manimocamini,
Monimolyamini e, ainda, Muzinga Angu” conforme “documento de 1624 citado por
Alfredo de Albuquerque Felner em ‘Angola: apontamentos sobre a ocupação e
início do estabelecimento dos portugueses no Congo’”, de 1933.
(...)
Na época em que começaram
as tratativas com o “rei” do Congo os reis portugueses não tinham a menor noção
das diferenças e distanciamento estruturais entre o seu país e o território
africano. No começo de 1491 D. Manuel lidou
com o pretenso aliado da África Subsaariana sem atentar para este importante
detalhe... A ideia de um regimento para o reino do Congo conforme citado na
última postagem teve este viés.
Obviamente não se levava em consideração que enquanto
os europeus estavam superando contextos medievais e desenvolviam novos
conceitos (também de valorização das realizações individuais) e estruturas a
partir do Renascimento, a realidade da gente do manicongo resumia-se à sua
condição de coletivismo vinculada a “uma economia local de trocas, com uma
conchinha (nzimbu) servindo de moeda apenas como valor de referência para a
realização de permutas”.
A partir de “Mãe Negra”, de Basil Davidson, Tinhorão destaca que:
“Quando
os portugueses chegaram à África Ocidental, numa época de autocracia na Europa,
julgaram encontrar ali as mesmas hierarquias rígidas de poder e de precedência
que conheciam na sua terra. Apressaram-se em interpretar a África em termos de
Portugal de quatrocentos”.
(...)
Também o modo como os africanos lidavam com a propriedade causou
estranhamento aos portugueses... Fundamentados no Direito Romano, os europeus
reconheciam e defendiam a propriedade privada. A gente de Nzinga a Nkuwu se
orientava por antigo costume que sustentava que a utilização do solo deve ser
coletiva... Para os africanos, mesmo a terra por eles ocupadas não lhes
pertencia. A ideia que se admitia era a de que seus antepassados lhes
concederam para que tirassem dela os recursos necessários para a sobrevivência.
Cada geração tinha o compromisso e a responsabilidade de cuidar da terra e de
repassá-la para os descendentes. E assim deveria ser “até o fim dos tempos”.
A respeito das informações contidas no parágrafo anterior, Tinhorão
destaca trecho de “Los negros”, do etnólogo Maurice Delafosse:
“A terra, em verdade, não se liga a um indivíduo ou, pelo
menos, só se liga a ele enquanto representante de uma coletividade. Neste caso
é o antepassado fundador da família que, ao encontrar um espaço de terra vago e
sem indicação de posse anterior, terá de certo modo firmado com ele como que um
contrato pelo qual obtém o direito de uso em caráter exclusivo e perpétuo em
favor da coletividade”.
Essa concepção fez com que
entre os africanos se estabelecesse um culto aos ancestrais... Há informações de
que isso tenha se estruturado cerca de um século ou século e meio antes da
chegada dos portugueses à região... Grandes chefes foram zelosos no cumprimento
da tradição que se tornou parte fundamental da mentalidade religiosa de seu
povo... A partir das informações do jesuíta André Cordeiro, que passou parte da
vida no Brasil, recolhidas pelo citado Alfredo Felner, reconhecia-se que o
primeiro desses grandes chefes teria sido:
“Motino Bene, ou Nitnu Wene, já a
indicar com tal nome sua condição de Nitnu, chefe maior, e Mwenw ou Muene,
autoridade (origem do título Mani)”.
O livro destaca que os fundadores das famílias mais antigas se tornavam
reverenciados pelos descendentes, e estes levavam os cultos para onde fossem.
Outros que se incorporassem ao grupo só eram definitivamente admitidos a partir
do momento que se submetiam à tradição de culto aos fundadores e ao conselho
dos mais antigos.
Destaca ainda que os primórdios dessa
mentalidade entre os africanos do Congo datariam do começo dos anos 1300,
quando ocorreram migrações desde o sul do Zaire em direção ao “planalto central
da região do Mpemba, onde à margem do rio Lunda ficava a climaticamente
privilegiada futura capital Mbanza Congo, que após a chegada dos cristãos seria
São Salvador”.
Continua em
https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_26.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto