Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_29.html antes
de ler esta postagem:
Mbemba
a Nzinga, o D. Afonso do Congo chegou ao poder e pode-se dizer que ele
representava a ideologia introduzida pelos portugueses na região... Apesar de
não haverem registros documentais a respeito de sua posse, por tudo o que se
salientou anteriormente, não se deve descartar a possibilidade de ele ter
passado por uma investidura que contemplasse também os rituais tradicionais.
É bem verdade que as típicas assembleias provinciais, as discussões,
escolha e deliberações a respeito do novo líder, no caso de Mbemba a Nzinga,
deixaram de ser elementares devido à sua vitória na luta que ocorreu à época da
morte de seu pai. Assim, Tinhorão apresenta detalhes que evidenciariam um
cerimonial religioso no qual Mbemba a Nzinga teria sido figura central.
Como veremos, por conta de
sua aliança com os cristãos portugueses, o soberano iniciou seu “mandato” com a
marca da contradição.
Trajes e adereços diversos eram utilizados para dar
significado à posse do novo líder... A tradição desde Nitnu Wene era a de que
aquele que chegava ao poder assumia a grande responsabilidade de chefiar as
diversas famílias que faziam parte do Congo. Dizemos que Mbemba a Nzinga (o D.
Afonso do Congo) passava a ser reconhecido pelos nativos como “ntotila nitnu né
Kongo”, o chefe supremo do grande Congo. Seus conterrâneos assim o admitiam, já
que sua investidura e legitimidade eram conferidas pelo “principal eleitor dos
manis”, o mais importante dos sacerdotes, Ntinu Nsaku ne Vunda.
Devemos considerar que o cerimonial tenha ocorrido... E se é assim, de
acordo com os registros de Rui de Pina e os do cronista João de Barros (“Ásia”,
1539; “capítulo IX do livro III, década I), o sacerdote colocou “um barrete
alto como mitra” na cabeça do chefe político empossado. Rui de Pina havia recorrido
aos manuscritos de Rui de Sousa (1492) para descrever o referido barrete como “uma
carapuça ou gorra de pano branco, que é ornamentado em honra dos sacerdotes”.
A peça lembra o acessório utilizado pelo papa,
cardeais e bispos da atualidade... O “gorro alto” entre os congoleses era
chamado de “impud, ampu, impu, empua ou empud”. Os nomes variam de acordo com
as fontes até o século XVII. O autor cita religiosos católicos que produziram parte
dessa documentação: D. Frei Manuel Batista (bispo), André Cordeiro e J. Mertens
(padres).
(...)
Um segundo adereço exibido pelo manicongo era um colar conhecido como “simba”...
A peça continha vários pingentes feitos de ferro e era grande a ponto de
envolver o mani, passando por baixo de sua axila direita e pelas costas... De
acordo com o padre Antonio Brásio em “O problema da eleição e coroação dos reis
do Congo”, a simbologia que estava por trás do colar lembrava a submissão do
soberano em relação ao seu povo:
“assim como a mulher,
que tem filhos, os leva às costas – comportamento ao vivo africano -, assim ele
não é rei senão pai, e que assim há de querer a seus vassalos como filhos, e os
há de trazer sempre carregados, isto é, às costas”.
Além do “gorro branco alto”
e do “grande colar com pingentes de ferro”, o mani que era investido de poder
em cerimonial tradicional usava um bracelete de ferro “à altura do bíceps de
seu braço esquerdo”. Este braço especificamente era chamado pelos congoleses de
“koko di kikento”, algo como “braço da mulher”.
O bracelete era uma “nlunga
ou ma lunga”, conforme os congoleses o chamavam, e indicava a “filiação a
linhagem matrilinear do Congo”. Ainda de acordo com Tinhorão, com base nas
informações de Antonio Brásio, o bracelete de ferro no mani indicava “a
perenidade histórica do próprio Kongo riactari, o Congo de ferro”.
Outra
peça utilizada durante o ritual de posse do mani era uma braçadeira colocada em
seu braço direito... Chamavam-na “enullo” e era ornamentada com esmero. O padre
Antonio Brásio não apresenta nenhuma informação a respeito dos significados da “fita”
e sua utilização na cerimônia.
(...)
Do que foi exposto anteriormente fica a reflexão a respeito da condição
do d. Afonso, Mbemba a Nzinga. Certamente um manicongo que experimentou um
conflito psicológico pessoal em relação à “posição espiritual, política e ideológica
dividida” entre suas raízes e o cristianismo que adotou.
Era o início do século XVI... Para muitos, o d.
Afonso, Mbemba a Nzinga, seria o despontar de “um inesperado e excêntrico
personagem do Renascimento”, disposto “a ultrapassar a realidade do seu
ancestralismo pela adesão às promessas de uma modernidade tentadoramente
oferecida pelo europeu português”.
Continua em
https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_12.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto