Não
há registros documentais tradicionais e escritos sobre as origens do Congo pelo
simples fato de as primeiras sociedades locais não possuírem escrita... Devemos
à tradição oral a conservação de narrativas que dão conta dos primórdios da
gente que viria a constituir o povo obediente ao manicongo.
(...)
Inicialmente ocorreu a ocupação por famílias oriundas de outras
regiões... Elas se tornaram maiores ao incorporarem nativos e se reuniram em
clãs que demandaram uma organização política mais definida, sobretudo porque
tinham de estabelecer áreas de assentamento e fronteiras. Desse modo buscavam evitar
conflitos com os vizinhos.
Como foi salientado anteriormente, graças à tradição
oral pode-se vislumbrar uma narrativa que, além de possível e adequada, traz à
tona “o significado simbólico dos fatos que descreve transformados em mito”.
De acordo com a tradição, o filho de um dos mais importantes clãs (o
Nimi Lukeni) das proximidades do rio Zaire decidiu ampliar sua liderança
política por terras mais ao sul e, para isso, rompeu seus laços de parentesco
com a comunidade inicial... Dessa maneira conquistou autonomia para prosseguir
em busca de seguidores que legitimassem a condição de chefe (nitnu), ser
reconhecido como “mwene” (algo como a dignidade da soberania) e, assim, poderia
adotar o título de Nitnu Wene, sendo reconhecido e obedecido por todos.
Contudo, deixar os vínculos familiares e romper
definitivamente com os que era ligado sanguineamente não era tão simples... Isso
só se concretizava quando o guerreiro postulante tirava a vida de um ente que o
vinculava aos antepassados. Como o costume era matrilinear, acabou matando uma
de suas tias que estava grávida... Ainda de acordo com a tradição, uma tia era
como que “segunda mãe” dos filhos do clã.
(...)
O jovem concretizou satisfatoriamente o ritual de sua libertação em relação
à família e logo chegaria à desejada condição de Nitnu Wene... Todavia conta-se
que o processo o tornou atormentado em relação à violência praticada contra uma
parente tão significativa. De acordo com o estudioso da história do Congo,
monsenhor Jean Cuvelier, a personagem tornou-se afetada por “um estado de
confusão mental” que se define como “laukidi”, que entre os africanos significa
“comportamento alienado”.
Essa condição o fez curvar-se perante as forças
religiosas/espirituais... Tanto é que recorreu ao mais antigo dos anciãos, liderança
da província de Mbata, Nsaku ne Vunda, que era quem fazia a intermediação entre
os vivos e os mortos. Como resultado, por suas limitações, Nitnu Wene declinou
de um poder que poderíamos considerar “total”... Desde então os rituais de “consagração
e legitimação de poder dos manis do Congo” passaram a contar necessariamente
com participação do Mani Vunda.
(...)
De qualquer maneira, Nitnu
Wene pôde prosseguir em seu projeto de dar início a uma nova linhagem em outras
paragens. De fato, vários clãs resolveram segui-lo até chegarem a uma
localidade no planalto do Mpemba conhecida como Mongo wa Kaila (Monte da
Partilha), onde deram início à partilha das terras...
Em boa parte das ocasiões
os chefes chegavam a acordos e a instalação de sua gente se dava de modo
pacífico. Este foi o caso do Vale do Nkise, em que os grupamentos que
disputavam Npangu e Mbata acertaram politicamente suas diferenças... Mas
aconteceram disputas mais radicais que envolveram o uso da força, como as áreas
como o Soyo, Mbamba e Nsundi.
Ao Nitnu
Wene restaram as terras do Mpemba, que deram origem à capital do Congo e, de
acordo com os registros de Tinhorão, foi chamada por diferentes nomes no
decorrer de sua História:
“Kongo dia Wene
(Congo do fundador), Nkumba a Ngudi, Mbanza Congo dia Ntotila (cidade do chefe
maior, ou ntotila nitnu né Kongo) e, finalmente, com o advento dos cristãos,
Kongo dia Ngunga, o Congo do Sino, após a construção da igreja de São Salvador.
Pelo visto, tudo indica que
Nzinga a Nkuwu (o manicongo que a partir do batismo cristão tornou-se D. João
do Congo) tenha sido o sexto mani da linhagem desde as origens “míticas”. Ele
teria morrido em 1505 ou 1506... Nas postagens anteriores vimos que no fim da
vida buscou reconciliar-se com os costumes de sua gente, mas não teve êxito na
transmissão aos muxicongos (do mesmo modo que chegara ao poder). E isso, como
sabemos, ocorreu porque seu filho cristianizado saiu-se vencedor do conflito
com Mpangu a Kitina.
O D. Afonso do Congo passou a seguir as
orientações e costumes conforme lhes eram transmitidos pelos aliados
portugueses.
Continua em
https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/07/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_29.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto