sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – alguns fragmentos de Sterne sobre a sensibilidade; a criação é produto da sensibilidade presente em tudo e em todos; alterações psicológicas e culturais pesaram no embate contra as torturas e castigos judiciais; pequenos fragmentos do doutor Rush em defesa da empatia pelos que sofrem nos processos; breve introdução sobre a continuidade das reflexões

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/12/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma.html antes de ler esta postagem:

Esperava-se que os procedimentos em relação aos que haviam cometido crimes mudassem. Em vez dos castigos e torturas públicas, punições que envolviam a educação...
A ideia negativa que se fazia das paixões deu lugar à valorização de uma moralidade que se baseava na sensibilidade (entendida como “reação emocional” às sensações físicas). A educação com base nessa moralidade (reeducação) passou a ser valorizada enquanto processo responsável por alterações do comportamento em direção a uma interação social marcada pelo respeito às sensibilidades.
O livro cita fragmentos de Laurence Sterne nos quais o personagem Yorick (seu pseudônimo em “Uma Viagem Sentimental”) tece elogios à sensibilidade:

                   “Cara sensibilidade! (...) eterna fonte de nossos sentimentos! – é aqui que te descubro – e esta é a tua divindade que se agita dentro de mim (...) que sinto algumas alegrias generosas e afetos generosos além de mim mesmo – tudo vem de ti, grande – grande SENSÓRIO do mundo! que vibra mesmo quando um único fio de cabelo cai sobre o chão, no deserto mais remoto da tua criação”.

Para Sterne tudo à nossa volta inspira a sensibilidade. Como não se sensibilizar com a condição dos menos favorecidos? A carência dos mais rudes camponeses só podia ser contemplada pelos mais ricos (desde que devotados ao cultivo da sensibilidade) que se dispunham às viagens às longínquas paragens.
(...)
Depois de todas as reflexões acerca das mudanças que se processaram nos modos de ser das pessoas no decorrer do século XVIII (o esmero em relação aos cuidados pessoais e a gentileza em meio aos demais; o simples uso do lenço para assoar o nariz; a audição mais introspectiva das músicas; a leitura de romances; a atenção e gosto pelos retratos; as críticas à tortura e castigos judiciais), Lynn Hunt reconhece que não é fácil (parece mesmo exagerado) estabelecer relações entre elas... Mas há que se ressaltar que não foi simplesmente porque os juízes abandonaram o sentenciamento das torturas que elas deixaram de ser aplicadas...
Também não se pode superestimar a atuação dos que escreviam textos iluministas contra os procedimentos tradicionais... A autora considera que a mentalidade de reconhecimento de que cada um tem direitos desde a interioridade, de garantias da individualidade, de “pertencimento dos próprios corpos” e de sua inviolabilidade tomou o lugar da estrutura que se baseava na dor e sofrimento dos sentenciados por incorrerem em atos (produtos de paixões) que ultrajavam o Estado.
As pessoas passaram a entender melhor as paixões... Afastaram-se das críticas mais tradicionalistas e defenderam que todos somos dotados de “paixões, sentimentos e simpatias”.
Para finalizar o raciocínio, mais uma vez o livro cita palavras do doutor Rush que sintetizam o anteriormente exposto. Ele lembrava que também as pessoas detestadas pela sociedade (os criminosos condenados) “possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos e conhecidos”. E por se por se tratar de um pensador dos códigos penais preocupado com a exposição dos suplícios, alertava que a contemplação das misérias dos sentenciados produzia espíritos insensíveis, “sem emoção ou simpatia” e, dessa maneira, o “princípio da simpatia cessará completamente de atuar; e (...) logo perderá o seu lugar no coração humano”.

(...)

Na sequência, o livro trata das Declarações que são os documentos que resultaram dos processos históricos (há que se acrescentar psicológicos e culturais) e que são objeto de tantos estudos e questionamentos: Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776); Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789); Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Na abertura das reflexões lemos uma definição de “Declaração” e uma pergunta sobre por que os direitos “devem ser apresentados numa Declaração”. Esses são assuntos das próximas postagens.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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