sábado, 16 de março de 2013

“Cortiço: cem anos de promiscuidade”, de Lúcio Kowarick e Clara Ant, em “Novos Estudos CEBRAP” de abril de 1982 – bairros operários na periferia, causas e consequências; sistema habitacional oficial e suas insuficiências; os operários e o sobretrabalho na construção das “habitações subnormais”; os cortiços persistiram

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/cortico-cem-anos-de-promiscuidade-de_14.html antes de ler esta postagem:

Até a década de 1950 a casa de aluguel (normalmente as aglomerações dos cortiços) predominou como modalidade de moradia entre os trabalhadores... A partir de então se consolidou o “padrão periférico”, que pode ser entendido como causa (mas também consequência) do crescimento da cidade. Em síntese, esse “padrão” de moradia, construída à custa do próprio trabalhador, apresenta a casa “unifamiliar” afastada do local de trabalho, sem as estruturas básicas para um cotidiano elementar...
O texto de Kowarick e Clara Ant segue apontando que o sobretrabalho do operário deve ser “computado rigorosamente enquanto horas de labuta não pagas, necessárias à reprodução do vasto contingente de mão-de-obra”... A “pulverização” dos trabalhadores em locais distantes das fábricas, e afastados uns dos outros, pode ser entendida, no mínimo, como interessante aos empresários... Os “perigos” verificados ao tempo da greve de 1917 diminuíam conforme se dava a “periferização”.
Embora os autores considerem que a “dispersão física” tenha contribuído para a restrição das atividades sindicais e políticas (sobretudo a partir do golpe militar de 1964), destacam também que as décadas posteriores a 1950 haviam sido marcadas por vários movimentos grevistas, e isso revela que as mobilizações operárias não foram completamente anuladas pelo “padrão periférico”.
Além disso, a dispersão deve ser entendida como transitória porque, conforme as fábricas se organizam e se desenvolvem, proporcionam os grupamentos operários em seu interior e nos novos bairros.
No início da década de 1980 (época em que o texto foi elaborado) a cidade contava mais ou menos 450 mil metalúrgicos. Com os seus agregados correspondiam a cerca de 20% da população... Entre 1939 e 1964 a crescente demanda por habitação exigiu do governo a “mediação financeira” através dos Institutos de Previdência, da Fundação da Casa Popular e de instituições bancárias oficiais (Caixa Econômica Federal e as Caixas estaduais)... Os “esforços oficiais” não foram suficientes para resolver a situação satisfatoriamente. Em 25 anos, apenas 120 mil unidades foram construídas... Sem dúvida, uma quantidade insignificante frente ao crescimento populacional do mesmo período.
Após 1964, o BNH (Banco Nacional da Habitação), criado para tratar do déficit habitacional, não só atendeu bem pouco à população mais carente como, visando lucro, financiou habitações para as camadas com remuneração acima da média. Os resultados se refletiram no panorama das grandes cidades como São Paulo, onde as “habitações subnormais”, como cortiços e favelas cresceram desmedidamente... Em 1979 a população favelada atingiu os 7% do número de habitantes do município. Os especuladores imobiliários adquiriram amplos terrenos destinados a loteamentos inviáveis para os operários... Ao mesmo tempo, a “Lei do Inquilinato” inibia a construção para as habitações de aluguel... Os resultados foram a expansão da cidade para locais mais distantes e o consequente distanciamento do trabalhador em relação ao local de trabalho e dos serviços urbanos... Com seus parcos recursos assumiam a construção da própria moradia.
Os dados do início da década de 1980 mostraram que a sub-remuneração era muito onerada... Os trabalhadores gastavam em média 4 horas por dia nos deslocamentos de casa ao trabalho... Cerca de 15% do salário mínimo se destinavam a essas locomoções.
Conclui-se que, se no início da industrialização, o Estado ausentou-se da mediação que poderia exercer entre os empresários e os explorados operários, anos depois a sua intervenção não serviu para “civilizar” as regras impostas pelos patrões... A Economia cresceu tendo por base a “pauperização de grande parcela da classe trabalhadora”.
De acordo com Kowarick e Clara Ant, as longas jornadas do princípio da industrialização (quando ocorria o “autoritarismo privatista”) foram substituídas por “jornadas institucionalmente menores” (ao tempo do “autoritarismo burocrático”), mas adicionadas às longas horas dispensadas para o transporte e construção das próprias habitações.
O sonho de ter uma casa própria tornou-se comum entre os trabalhadores. Isso nunca foi de fácil acesso para todos... Para concretizá-lo, famílias inteiras realizaram sacrifícios imensos, aumentando suas jornadas de trabalho e se dedicando à construção (em ritmos e prazos imprevisíveis) dos cômodos das habitações... Esse sonho tanto se explicava quanto mais se temia a falta de condição de pagar aluguel nos casos de desemprego.
Durante a década de 1970, não por acaso, se verificou a aquisição de pequenos lotes por mais de uma família. É que os altos preços dos terrenos tornavam inviável a sua compra em separado... O barraco da favela era o último recurso... O cortiço persistiu como modalidade intermediária de habitação...
Os autores salientam que não havia distrito da cidade sem cortiços... Nas áreas centrais notavam-se casarões antigos que se adaptaram para esse fim... Além dos casos de construções que se planejavam para se tornarem cortiços...
Continua
Um abraço,
Prof.Gilberto

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