Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_27.html antes de ler esta
postagem:
Menocchio dizia que os homens são feitos de
terra... Mas do melhor que se conhece, e é por isso que vivem querendo acumular
ouro... O moleiro advertia que “o demônio costuma entrar nas coisas e ali
deixar o seu veneno”... Garantia que a “água benta pelo sacerdote põe o diabo
para fora”... Explicava que todas as águas são abençoadas por Deus, então essa “condição
privilegiada” dos padres poderia não merecer tanta evidência porque, ainda de
acordo com ele, todos possuem da virtude que Deus distribui... Qualquer leigo poderia
realizar o que o religioso faz, é só uma questão de “saber proferir as palavras
corretas”.
A religião de Menocchio era
a dos camponeses... Algo distante do que era pregado e não compreendido pelas
pessoas mais simples... Está claro que Menocchio comungava e que batizou os
filhos, mas sabemos que não via os sacramentos como eficientes (eram "invenções
humanas")... Para ele, religiosidade era entender que “o mundo é Deus”, que
Deus está nas pessoas e, por isso afirmava que “amar ao próximo é mais
importante do que amar a Deus”.
Também sabemos que era do Fioretto
della Bibbia que Mennochio tirava as conclusões a respeito dos elementos
que compõem o ser humano, “água, ar, terra e fogo”, que esses elementos “são
Deus” e que somos formados à imagem e semelhança Dele... As explicações do Fioretto envolviam referências à criação
do primeiro homem e da primeira mulher (feitos de terra e matéria básica, foram
elevados ao Céu). O leitor era levado a entender que os elementos acabam se
misturando e se unindo... É o que acontece com a terra quando pisoteada...
Usando o exemplo do ovo, o texto esclarece que “a gema seria a terra, a clara o
ar, a pele fina abaixo da casca seria a água e a casca o fogo”... Frio e calor,
seco e úmido, tudo está junto.
E em relação ao corpo
humano isso poderia ser “facilmente verificado”: “a carne e os ossos seriam a
terra, o sangue a água, a respiração o ar, e o calor o fogo”... Tudo o que existe
é composto pelos quatro elementos e, assim sendo, “nosso corpo está sujeito às
coisas do mundo”... Esse não é o caso da alma, que está sujeita apenas a Deus. “Ela
é feita à imagem Dele” e possui matéria diferenciada, mais nobre.
Mas, como sabemos,
Mennochio não reproduzia o mesmo conteúdo... Ele identificava o homem com o
mundo, e este com Deus... Dizia que “quando o homem morre é como um animal,
como uma mosca”. Durante o processo não admitiu ter falado isso. Perguntado
sobre o que pensava ser a alma dos fiéis, respondeu que havia dito que as almas
“retornam à majestade de Deus”, que podia decidir sobre elas o que bem
entendesse (mandar as boas para o paraíso e as más ao inferno; outras ainda
para o purgatório)... Talvez calculasse que com esse “juízo” estivesse se
livrando de problemas com a Igreja, mas a realidade se deu de forma diferente.
No interrogatório do dia
16 de fevereiro (de 1584. Sobre isso: http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html) Mennochio teve de falar sobre a “majestade
de Deus”... Depois de ouvir as explicações sobre Deus ser nada mais do que a
composição dos quatro elementos, o vigário-geral quis saber como haveria
possibilidade de as almas voltarem à majestade do criador... O moleiro
ficou um pouco embaraçado e tentou explicar que as almas “vieram do Espírito de
Deus” e por isso deviam para Ele retornar... Então a autoridade eclesiástica
perguntou se Deus e o “Espírito de Deus” são a mesma coisa e, além disso, se
este Espírito está incorporado nos quatro elementos...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto