sexta-feira, 29 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – os quatro elementos e as exemplificações simplificadas do “Fioretto”; Deus e tudo o que existe; a alma

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_27.html antes de ler esta postagem:

Menocchio dizia que os homens são feitos de terra... Mas do melhor que se conhece, e é por isso que vivem querendo acumular ouro... O moleiro advertia que “o demônio costuma entrar nas coisas e ali deixar o seu veneno”... Garantia que a “água benta pelo sacerdote põe o diabo para fora”... Explicava que todas as águas são abençoadas por Deus, então essa “condição privilegiada” dos padres poderia não merecer tanta evidência porque, ainda de acordo com ele, todos possuem da virtude que Deus distribui... Qualquer leigo poderia realizar o que o religioso faz, é só uma questão de “saber proferir as palavras corretas”.
A religião de Menocchio era a dos camponeses... Algo distante do que era pregado e não compreendido pelas pessoas mais simples... Está claro que Menocchio comungava e que batizou os filhos, mas sabemos que não via os sacramentos como eficientes (eram "invenções humanas")... Para ele, religiosidade era entender que “o mundo é Deus”, que Deus está nas pessoas e, por isso afirmava que “amar ao próximo é mais importante do que amar a Deus”.
Também sabemos que era do Fioretto della Bibbia que Mennochio tirava as conclusões a respeito dos elementos que compõem o ser humano, “água, ar, terra e fogo”, que esses elementos “são Deus” e que somos formados à imagem e semelhança Dele... As explicações do Fioretto envolviam referências à criação do primeiro homem e da primeira mulher (feitos de terra e matéria básica, foram elevados ao Céu). O leitor era levado a entender que os elementos acabam se misturando e se unindo... É o que acontece com a terra quando pisoteada... Usando o exemplo do ovo, o texto esclarece que “a gema seria a terra, a clara o ar, a pele fina abaixo da casca seria a água e a casca o fogo”... Frio e calor, seco e úmido, tudo está junto.
E em relação ao corpo humano isso poderia ser “facilmente verificado”: “a carne e os ossos seriam a terra, o sangue a água, a respiração o ar, e o calor o fogo”... Tudo o que existe é composto pelos quatro elementos e, assim sendo, “nosso corpo está sujeito às coisas do mundo”... Esse não é o caso da alma, que está sujeita apenas a Deus. “Ela é feita à imagem Dele” e possui matéria diferenciada, mais nobre.
Mas, como sabemos, Mennochio não reproduzia o mesmo conteúdo... Ele identificava o homem com o mundo, e este com Deus... Dizia que “quando o homem morre é como um animal, como uma mosca”. Durante o processo não admitiu ter falado isso. Perguntado sobre o que pensava ser a alma dos fiéis, respondeu que havia dito que as almas “retornam à majestade de Deus”, que podia decidir sobre elas o que bem entendesse (mandar as boas para o paraíso e as más ao inferno; outras ainda para o purgatório)... Talvez calculasse que com esse “juízo” estivesse se livrando de problemas com a Igreja, mas a realidade se deu de forma diferente.
No interrogatório do dia 16 de fevereiro (de 1584. Sobre isso: http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html) Mennochio teve de falar sobre a “majestade de Deus”... Depois de ouvir as explicações sobre Deus ser nada mais do que a composição dos quatro elementos, o vigário-geral quis saber como haveria possibilidade de as almas voltarem à majestade do criador... O moleiro ficou um pouco embaraçado e tentou explicar que as almas “vieram do Espírito de Deus” e por isso deviam para Ele retornar... Então a autoridade eclesiástica perguntou se Deus e o “Espírito de Deus” são a mesma coisa e, além disso, se este Espírito está incorporado nos quatro elementos...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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