quarta-feira, 6 de março de 2013

“Cortiço: cem anos de promiscuidade”, de Lúcio Kowarick e Clara Ant, em “Novos Estudos CEBRAP” de abril de 1982 – Primeira Parte – considerações sobre os cortiços enquanto decorrência da industrialização; Bairros ricos e higienizados

De 1890 até o final da primeira década do século XX a cidade de São Paulo passou de 65 mil para 350 mil habitantes. Essa alteração se explica pela industrialização, que foi responsável por forte imigração.
Os industriais sentiam-se muito à vontade para explorar porque não havia “nenhuma mediação estatal”... A condição de trabalho era das piores, e os operários, explorados como mão-de-obra barata (em jornadas de mais de 14 horas), estavam sujeitos ainda aos perigos proporcionados pelas máquinas e pelos ambientes insalubres... Acidentes envolvendo mulheres e crianças eram muito comuns... Mas para os patrões não havia dificuldades para substituir os que adoeciam, morriam ou ficavam permanentemente inválidos...
O crescimento populacional nos remete às reflexões sobre as "demandas por acomodação"... E as condições de moradia dos operários das primeiras fábricas selaram os cortiços como o tipo de “habitação precária” mais antiga em São Paulo... O cortiço apareceu como decorrência da industrialização.
O texto de Kowarick e de Clara Ant aponta a situação como consequência do “autoritarismo privatista”... O capital “deitava e rolava”.
Do pouco salário que os operários recebiam, a maior parte destinava-se à alimentação, restando bem pouco para a moradia... Não por acaso os cortiços tornaram-se o destino do contingente proletário... Todos os membros da família, salvo as crianças menores e os já muito idosos, tinham de trabalhar e, ainda assim, a condição era de miséria total... As péssimas condições favoreciam a contaminação e as enfermidades que resultavam em mortes prematuras.
Havia, sim, as habitações “unifamiliares”, locais considerados “higiênicos”, porém sua locação equivaleria a, no mínimo, metade do salário dos operários das fábricas. A eles, então, restava a opção dos cortiços.
Pelo menos durante as três primeiras décadas do século passado não havia muitas fábricas na cidade, mas as que existiam (têxteis notadamente) concentravam a maior parte do operariado... Sendo assim, foi natural que em suas proximidades se formassem os cortiços e, não raramente, junto aos trilhos ferroviários...
A vida nos bairros operários confundia-se à vida nas fábricas... O cotidiano das fábricas era conhecido e comentado pelas ruas onde os filhos menores dos trabalhadores brincavam... Os vários apitos da fábrica “regulavam (também) a vida dos bairros”.
Brás, Mooca, Bom Retiro e Bixiga foram bairros que se caracterizaram pelos cortiços habitados por operários... Campos Elíseos, Higienópolis (esses nomes não são por acaso) e a Avenida Paulista eram áreas habitadas pelos mais ricos... Kowarick e Clara Ant advertem que, apesar disso, nas proximidades dos bairros mais elegantes ajeitavam-se alguns amontoados... Em 1893 havia 60 cortiços em Santa Ifigênia, localizada a apenas 300 metros de distância dos Campos Elíseos (dados citados de Relatório de Exame e Inspeção das Habitações Operárias e Cortiços do Distrito de Santa Ephygênia)... Isso alarmou as autoridades sanitárias do final do século XIX, quando uma epidemia de febre amarela abateu-se sobre os moradores das pobres instalações...
Desde muito tempo as autoridades incorporavam a necessidade de colocar fim nos cortiços às ideias de limpeza e higienização, necessárias ao controle de focos contagiosos.
No início da década de 1920 a cidade contava 580 mil habitantes... A gripe espanhola fez inúmeras vítimas... Trecho de O Estado de São Paulo, de 4/2/1921 alertava sobre a necessidade de as autoridades acabarem com os cortiços ou darem um jeito de os proprietários higienizarem os “nocivos ambientes” que se alastravam pela cidade.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/cortico-cem-anos-de-promiscuidade-de_14.html
Um abraço,
Prof.Gilberto

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