quarta-feira, 27 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – considerações sobre o Espírito Santo; influências de “Trinitatis erroribus”?; intenções de Servet; panteísmo e materialismo de Menocchio; erudito e cultura popular/oral

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html antes de ler esta postagem:

Em suas confissões sobre o Espírito Santo, Menocchio disse crer que Ele seja Deus, “aquele anjo ao qual Deus deu sua vontade”... Dizia que Deus nos deu “o livre-arbítrio e o Espírito Santo no corpo”... O Espírito Santo vem de Deus e nos impulsiona a fazer (ou não fazer) determinada coisa... Em Servet, lemos que há aqueles que entendem o Espírito Santo como o “uso correto da inteligência e razão humana”.
Para Servet não há uma “pessoa” separada de Deus pai que possa ser chamada “Espírito Santo”... Ele é “uma atividade de Deus, energia ou inspiração do poder de Deus”... O Espírito Santo opera nas pessoas e em toda a realidade... E assim Deus está em tudo e em todos... É próximo, e não distante... “O Espírito Universal enche a terra”.
As palavras de Menocchio em suas conversas com os conterrâneos sobre Deus “ser tudo” (“o céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o inferno”) podiam ser eco dos escritos de Servet que citavam trechos bíblicos em que o profeta se inquietava sobre a sondagem divina: “Ó Senhor, onde encontro o teu Espírito?” “Não há lugar acima ou abaixo sem o Espírito de Deus.”
Para Servet implicava o ter de resgatar o “significado original” de Espírito... O conceito que pretendia “desmontar” já era algo milenar e, segundo Ginzburg, ele utilizou todos os instrumentos de que dispunha: “o grego e o hebraico, a filologia de Valla e a cabala, a teologia e a medicina”... Concluiu que entre “espírito” e sopro há uma profunda analogia... Trechos de De Trinitatis erroribus afirmam que é “por força do sopro e inspiração de Deus que tudo é feito”, e ainda que “não se pode pronunciar palavra sem o sopro do espírito”, “não podemos pronunciar palavra sem respiração”, “fala-se sobre o ‘espírito da boca’ e ‘espírito dos lábios’”. E concluía que o próprio Deus é nosso espírito, Ele “reside em nós”... “E isso é o Espírito Santo em nós”. Retomando as ideias de Menocchio entre os habitantes de Montereale, torna-se muito difícil não levarmos em conta suas afinidades com os juízos de Servet... O moleiro perguntava sobre o que os seus conterrâneos pensavam ser Deus... E emendava que Ele nada é além de um “pequeno sopro”... “O ar é Deus”... “Nós somos Deus”... Dizia que o Espírito Santo está em todos... Ninguém vê o Espírito Santo!
Apesar da relação que somos tentados a fazer entre as declarações de Menocchio e o texto de Servet, Ginzburg nos alerta que, embora os escritos do espanhol circulassem na Itália do início do século XVI, há uma enorme distância entre as palavras do erudito e as do moleiro... Todavia, as confissões podem revelar o modo como aquele conteúdo era absorvido pelas pessoas mais simples.
A questão inicial, acerca do modo como Menocchio se dirigia às pessoas de sua convivência e sobre como falava às autoridades, é retomada... Analisamos o discurso dispensado às pessoas sem formação, algo mais acessível... Ao inquisidor de Aquileia e ao magistrado, a complexidade.
Então vemos Menocchio construindo argumentos que podiam ser produto de leituras complexas, ao mesmo tempo em que manifestava elementos da cultura oral (da qual era um “exemplar diferenciado”)... Evidenciava o seu “materialismo popular”... “Deus, o Espírito Santo, a alma não existem como substâncias separadas”... O moleiro não podia aceitar a interpretação dos clérigos e das Escrituras... O Deus de sua interpretação era visível e até palpável, pois era ar, terra, fogo e água...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_29.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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