Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_13.html antes de ler esta
postagem:
Vimos que ao mesmo tempo em que Menocchio se
inspirava na leitura de Fioretto della
Bibbia (e também na Escritura), ia apropriando-se de conceitos mais
próximos do erudito e construía uma interpretação própria... Contrariava os
ensinamentos pregados pelo texto e seguia as ideias “formuladas por sua mente”.
O Fioretto era leitura fácil... Usava de metáforas para ensinar, daí
sua característica didática... Mas Menocchio invertia muito do que lia... Seu “universo
linguístico” era de fidelidade às palavras... Sua interpretação de textos era “ao
pé da letra”... Assim, entendia Deus como “pai de todos os homens”. “Todos
somos filhos de Deus, da mesma natureza que a do que foi crucificado”. Sua
conclusão era simples, dado que todos são filhos de Deus, Ele quer bem a todos
(cristãos, turcos, heréticos, judeus...) e por isso todos se salvarão
indistintamente... É claro, reconhecia que muitos rejeitam Deus, mas ainda
assim pertencem a Ele. O fato de blasfemarem contra Ele não significa que
cometem pecado... Isso só pode fazer mal aos que blasfemam... O que conta, de
fato, é se as atitudes prejudicam ao próximo... Quer dizer, novamente vem à
tona aquela ideia do filho que blasfema contra o pai e é perdoado e, no
entanto, se quebra a cabeça de um de seus irmãos, o pai não pode perdoá-lo
(caso em que o “pecador” tem de “pagar por sua atitude agressiva ao próximo”).
A ideia de que devemos amar
mais ao nosso próximo do que a Deus é literal... Para o moleiro, Deus está
afastado dos viventes. Ele é a autoridade identificada como “santíssima
majestade” (algumas vezes identificada por ele como distinta de Deus, outras
como sendo o próprio Deus, e ainda “espírito de Deus”)... Ainda explicando
Deus, Menocchio faz uma analogia que O relaciona a um “grande capitão”, que
teria enviado o seu filho a este mundo como embaixador... Deus é entendido por
ele também como “homem de bem”, um senhor de poder... Segundo ele mesmo, não
deveriam estranhar as suas ideias em relação às suas opiniões confusas (ele
mesmo admitia isso) sobre a crucificação de Jesus... “Se Ele era Deus eterno
não podia se deixar prender e crucificar”... Um senhor (de poder) não
procederia deste modo!
O conceito formado a
respeito de “senhor”, além do poder que todos reverenciam, traz em seu bojo a
característica do “não trabalhar” porque há quem trabalhe por ele... Além de
pai, Deus é um patrão, um proprietário de terras que não precisa “sujar as mãos
trabalhando”... Seus feitores é que cuidam disso excepcionalmente... Os anjos “que
trabalham para o Espírito Santo” contribuíram, por exemplo, “para a criação da
terra, das árvores, dos animais, dos homens, dos peixes e de todas as outras
criaturas”... Tudo isso está de acordo com as afirmações de Menocchio a
respeito do poder de Deus... O processado seguia afirmando que todos concordam
que Ele fez tudo o que existe, mas em sua opinião não haveria nenhum absurdo em
aceitar que Ele tenha contado com a colaboração dos anjos... De outra forma,
argumentava, tudo seria bem mais demorado... O poder de Deus, segundo
Menocchio, consiste no “operar através dos trabalhadores”.
Menocchio admitia que
o papa fosse representante de Deus, um agente que perdoa os pecados das pessoas...
Sendo assim, julgava que isso é bom... É como se Deus nos perdoasse, então as
indulgências seriam boas. Mas ele defendia que, além do papa, Deus possui
outros agentes... O Espírito Santo é um deles, um “feitor”... E o Espírito “elegeu”
quatro capitães (“agentes entre os anjos criados”)... Os homens se fizeram a
partir da “vontade de Deus e de seus ministros”... O Espírito Santo participa
da obra dos ministros, então tem parte na criação dos homens.
Os inquisidores perguntaram
a Menocchio se Deus “criou, produziu, alguma criatura”... O moleiro disse que
Ele “providenciou que fosse dada a vontade para que todas as coisas fossem
feitas”... Sua concepção limitava-se ao que vivenciava como moleiro e carpinteiro
(que tem conhecimento sobre “como fazer”) que, possuindo as ferramentas
adequadas, vontade de fazer e o material necessário, definitivamente, fazia...
Para Menocchio, nem Deus nem o seu capataz (o
Espírito Santo) fizeram nada, já que quem “pôs mãos à obra na criação do mundo foram
os anjos” (“feitores”; “trabalhadores”). Não por acaso os inquisidores quiseram
ouvir de Menocchio sobre como teriam surgido esses entes... E ouviram do
interrogado que os anjos foram “produzidos pela natureza da mais perfeita
substância do mundo, assim como os vermes nascem do queijo”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto