segunda-feira, 11 de março de 2013

“Decamerão”, de Giovanni Boccaccio – Terceira novela do primeiro dia – contada por Filomena – a história de Saladino e do judeu Melquisedeque; a ”lenda dos três anéis”; O interesse pela narrativa a partir de “O Queijo e os Vermes”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/decamerao-de-giovanni-boccaccio-segunda.html antes de ler esta postagem:

A novela narrada por Neífile também mereceu elogios de todos... Então chegou a vez de Filomena fazer a sua narração... Ela aproveitou que a história contada por Neífile envolvia um judeu e as reflexões sobre as religiões (também as disputas entre fiéis de crenças diferentes e conversão) para prosseguir com a temática.
Filomena advertiu sobre a necessidade de tomarmos cuidados com tolices que podem nos afastar de um estado venturoso para uma condição de desgraça e outros perigos.
Ela iniciou falando sobre Saladino, homem humilde e de muito valor que se tornou sultão da Babilônia... Todos sabiam de suas conquistas e vitórias contra reis sarracenos e cristãos... Os empreendimentos dispensaram o gasto de seu tesouro e, tendo sofrido grave acidente, passou a necessitar de muito dinheiro... Foi nessa condição que se lembrou de Melquisedeque, um judeu muito rico que emprestava dinheiro a juros... Por se tratar de um tipo avarento, Saladino percebeu que teria dificuldade para obter empréstimo... Sabendo que a força não era a melhor saída para conseguir o seu intento, fez com que trouxessem o judeu à sua presença para uma conversa amistosa...
Saladino o elogiou e disse que conhecia a estima que todos tinham por ele... Disse que sua reputação era a de um homem sábio... Lançou-lhe uma pergunta sobre qual deveria ser, entre as três leis religiosas (judaica, sarracena e cristã), a verdadeira.
Melquisedeque percebeu que deveria responder sabiamente para não cair em contradições e, assim, envolver-se em situação desfavorável e de imposições do outro. Sabia que não seria razoável elogiar nenhuma das três mais do que as outras, então disse que a pergunta era linda, e se saiu com uma história que seria a melhor forma de explicar o que sinceramente pensava.
Então, temos uma ”novela dentro da novela” contada por Filomena.
Contou que já havia escutado muitas vezes sobre um muito rico e forte senhor... Ele possuía muitas joias em seu tesouro. Sem dúvida um anel se destacava como o mais belo e precioso de todo o seu acervo... O homem tinha decidido que, para que a joia continuasse a marcar a dignidade entre os seus descendentes, aquele ao qual fosse deixada a preciosidade por herança, honras e obediência lhe seriam prestadas.
E assim ocorreu, geração após geração... Até que a joia chegou a um de seus descendentes que possuía três filhos, cada um digno da herança, pois, além de obedientes ao pai, eram dotados de beleza e virtudes. Conhecedores da tradição familiar, cada um se esforçava por merecer o anel e, mais que isso, pediam-no ao pai.
O homem, já em avançada idade, sabia que devia decidir-se. Mas não conseguia definir a quem entregar a preciosidade. A situação era mais complexa, também, porque ele havia prometido a cada um dos moços que o havia consultado... De fato, seu coração não tinha um predileto... Para resolver essa situação encomendou os serviços de um mestre de ourivesaria para que os dois outros anéis fossem confeccionados.
O serviço ficou tão bem feito que ele próprio não conseguiu distinguir qual era o original... Em seguida entregou um anel a cada um de seus filhos separadamente. Assim, após a morte do velho, disputaram a posse da herança e da honra... Mas negaram qualquer direito aos irmãos... Cada um apresentou o seu anel e evidentemente ninguém pôde dizer qual era o legítimo... O “problema sem solução” estava criado...
Foi dessa forma que o judeu Melquisedeque encerrou sua história para Saladino. E concluiu, a propósito das três “leis religiosas”, dadas por Deus aos três povos, que cada um considera ser seguidor da legítima lei e mandamentos... Entretanto, finalizou, a questão que o outro propôs é tão aberta quanto a situação dos anéis da novela.
Saladino concluiu que Melquisedeque se saiu muito bem, então lhe revelou os seus problemas financeiros e a atitude que tomaria se o judeu não apresentasse resposta satisfatória à sua pergunta...  Então Melquisede entregou a ele a quantidade de dinheiro que necessitava... No tempo estabelecido, o sultão o reembolsou e o presenteou com ricos presentes... Desde então os dois tornaram-se amigos.
E essa foi a narrativa de Filomena. Como vimos, sua história se relaciona à novela contada anteriormente por Neífile.
                                                             Neste ponto é importante destacar que o interesse pelo conteúdo de Decamerão se deu exatamente por conta dessa narrativa... Como devemos saber, o seu enredo foi citado pelo moleiro Menocchio no processo inquisitorial (O Queijo e os Vermes), destacado em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html. Não é certo que as demais narrativas e desenrolar dos acontecimentos que envolvem o grupo de Pampineia sejam tratados por aqui.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/decamerao-de-giovanni-boccaccio-quarta.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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