Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/decamerao-de-giovanni-boccaccio-segunda.html antes de ler esta
postagem:
A novela narrada por Neífile também mereceu
elogios de todos... Então chegou a vez de Filomena fazer a sua narração... Ela
aproveitou que a história contada por Neífile envolvia um judeu e as reflexões
sobre as religiões (também as disputas entre fiéis de crenças diferentes e
conversão) para prosseguir com a temática.
Filomena advertiu sobre a
necessidade de tomarmos cuidados com tolices que podem nos afastar de um estado
venturoso para uma condição de desgraça e outros perigos.
Ela iniciou falando sobre
Saladino, homem humilde e de muito valor que se tornou sultão da Babilônia...
Todos sabiam de suas conquistas e vitórias contra reis sarracenos e cristãos...
Os empreendimentos dispensaram o gasto de seu tesouro e, tendo sofrido
grave acidente, passou a necessitar de muito dinheiro... Foi nessa condição que
se lembrou de Melquisedeque, um judeu muito rico que emprestava dinheiro a
juros... Por se tratar de um tipo avarento, Saladino percebeu que teria
dificuldade para obter empréstimo... Sabendo que a força não era a melhor saída
para conseguir o seu intento, fez com que trouxessem o judeu à sua presença
para uma conversa amistosa...
Saladino o elogiou e disse
que conhecia a estima que todos tinham por ele... Disse que sua reputação era a
de um homem sábio... Lançou-lhe uma pergunta sobre qual deveria ser, entre as
três leis religiosas (judaica, sarracena e cristã), a verdadeira.
Melquisedeque
percebeu que deveria responder sabiamente para não cair em contradições e,
assim, envolver-se em situação desfavorável e de imposições do outro. Sabia que
não seria razoável elogiar nenhuma das três mais do que as outras, então disse
que a pergunta era linda, e se saiu com uma história que seria a melhor forma
de explicar o que sinceramente pensava.
Então, temos uma ”novela
dentro da novela” contada por Filomena.
Contou que já havia
escutado muitas vezes sobre um muito rico e forte senhor... Ele possuía muitas
joias em seu tesouro. Sem dúvida um anel se destacava como o mais belo e
precioso de todo o seu acervo... O homem tinha decidido que, para que a joia
continuasse a marcar a dignidade entre os seus descendentes, aquele ao qual
fosse deixada a preciosidade por herança, honras e obediência lhe seriam prestadas.
E assim ocorreu, geração
após geração... Até que a joia chegou a um de seus descendentes que possuía
três filhos, cada um digno da herança, pois, além de obedientes ao pai, eram
dotados de beleza e virtudes. Conhecedores da tradição familiar, cada um se
esforçava por merecer o anel e, mais que isso, pediam-no ao pai.
O homem, já em
avançada idade, sabia que devia decidir-se. Mas não conseguia definir a quem
entregar a preciosidade. A situação era mais complexa, também, porque ele havia
prometido a cada um dos moços que o havia consultado... De fato, seu coração
não tinha um predileto... Para resolver essa situação encomendou os serviços de
um mestre de ourivesaria para que os dois outros anéis fossem confeccionados.
O serviço ficou tão bem feito que ele próprio
não conseguiu distinguir qual era o original... Em seguida entregou um anel a
cada um de seus filhos separadamente. Assim, após a morte do velho, disputaram
a posse da herança e da honra... Mas negaram qualquer direito aos irmãos...
Cada um apresentou o seu anel e evidentemente ninguém pôde dizer qual era o
legítimo... O “problema sem solução” estava criado...
Foi dessa forma que o judeu
Melquisedeque encerrou sua história para Saladino. E concluiu, a propósito das
três “leis religiosas”, dadas por Deus aos três povos, que cada um considera
ser seguidor da legítima lei e mandamentos... Entretanto, finalizou, a questão
que o outro propôs é tão aberta quanto a situação dos anéis da novela.
Saladino concluiu que Melquisedeque se saiu muito bem, então lhe revelou
os seus problemas financeiros e a atitude que tomaria se o judeu não
apresentasse resposta satisfatória à sua pergunta... Então Melquisede entregou a ele a
quantidade de dinheiro que necessitava... No tempo estabelecido, o sultão o
reembolsou e o presenteou com ricos presentes... Desde então os dois
tornaram-se amigos.
E essa foi a narrativa de
Filomena. Como vimos, sua história se relaciona à novela contada anteriormente
por Neífile.
* Neste
ponto é importante destacar que o interesse pelo conteúdo de Decamerão se deu exatamente por conta
dessa narrativa... Como devemos saber, o seu enredo foi citado pelo moleiro
Menocchio no processo inquisitorial (O
Queijo e os Vermes), destacado em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html. Não é certo que as demais
narrativas e desenrolar dos acontecimentos que envolvem o grupo de Pampineia
sejam tratados por aqui.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/decamerao-de-giovanni-boccaccio-quarta.html
Leia: Decamerão. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto