sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

“1984”, de George Orwell - retomada das sessões, esclarecimentos acerca dos estágios do “processo de reintegração” e início da fase de “compreensão”; percepção de certo relaxamento das amarras e da aplicação do choque; resgatando os escritos de Winston para a problematização; revelações a respeito da autoria do “livro proibido” e das obviedades almejadas pelos desvairados; o Partido é eterno e ponto, Winston devia explicar por que tinha de manter-se no poder

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/12/1984-de-george-orwell-final-da-sessao.html antes de ler esta postagem:

Houve muitas outras sessões... Winston não teria como dizer quantas, em quais intervalos e suas durações. Simplesmente porque não havia como o detento saber. No máximo imaginava que o processo se prolongava por “período enorme, indefinido”. Certamente por semanas a fio.
A sensação era a de que haviam se passado muitos meses... O entorpecimento impedia a avaliação sobre os intervalos entre os interrogatórios... Alguns dias ou algumas horas? Não havia como saber.
O caso é que as intervenções dependiam da programação estabelecida por O’Brien.
(...)
Depois de finalizada a que foi destacada na última postagem, O’Brien o interpelou com um esclarecimento acerca do desenrolar de seu caso. Disse que a “reintegração” tinha três estágios: “aprender, compreender e aceitar”. No momento estava dando início à fase do compreender.
O rapaz permanecia deitado e ligado à cama... Apesar de sua condição delicada, sentia que já podia movimentar joelhos, cabeça e dobrar os cotovelos. Evitava movimentos bruscos e mesmo se pretendesse não conseguiria deslocar-se satisfatoriamente.
O dispositivo destinado à dilaceração de seu corpo permanecia à disposição de O’Brien, que poderia acioná-lo sempre que desaprovasse falas e gestos do preso político. De certo modo, Winston mantinha-se menos aterrorizado em relação a este expediente... Além disso, sabia que se não se manifestasse estupidamente poderia evitar o acionamento da alavanca e as injeções aplicadas pelo tipo de avental branco.
De fato, até onde podia raciocinar, calculava que várias sessões vinham ocorrendo sem que fossem aplicadas cargas ao dispositivo.
(...)
O’Brien foi antecipando que sabia que Winston enchia-se que questionamentos a respeito do quanto o Ministério do Amor se empenhava nos processos dos presos políticos sem entender o sentido de tudo aquilo.
Salientou que na época em que Winston estava em liberdade vivia a se perguntar sobre a mesma questão. Isso acontecia enquanto podia perceber o dinamismo da sociedade sem que compreendesse as forças que determinavam sua orientação.
Não foi por acaso que na sequência perguntou-lhe se se lembrava de suas anotações no diário, notadamente a que apontava que “compreendia como, mas não compreendia o porquê”. Comentou que suas reflexões em torno “do porquê” eram indicações de que já trazia em seu íntimo as dúvidas a respeito do próprio estado mental.
O’Brien referiu-se ao “livro de Goldstein” e sugeriu que sabia que Winston o havia lido na íntegra ou em parte... Perguntou se os textos lhe haviam revelado algo que já não soubesse. O rapaz quis saber se ele conhecia o conteúdo e O’Brien respondeu que ele mesmo havia participado da autoria... Destacou que “nenhum livro é produzido individualmente”.
Winston mostrou-se interessado e perguntou se o conteúdo do “livro proibido” era verdadeiro... O’Brien respondeu que o que estava descrito podia ser considerado verdadeiro, mas o programa apresentado era “insensato”. Emendou que para os incautos a produção até podia ser vista como reveladora de sábios ensinamentos que eram mantidos em segredo, um valioso material didático comprometido com o esclarecimento necessário à “rebelião proletária” que colocaria fim ao poder do Partido.
Depois expôs a interpretação do próprio Winston. Ele sabia que o rapaz entendeu que o livro indicava um final previsível... No fundo uma “grande bobagem”. Ele e os que se guiam pela sensatez sabiam que “os proletários nunca se revoltarão, em mil anos, ou num milhão de anos” simplesmente porque não têm poder para isso. Nem era preciso perder tempo com maiores explicações a respeito... Por fim sentenciou que as perspectivas de insurreição eram nulas e o aconselhou a desistir de vez desse tipo de alucinação.
Argumentou que simplesmente não havia como o Partido sofrer qualquer derrota. Seu domínio não teria fim e essa constatação deveria ser premissa dos pensamentos de qualquer um, principalmente dos de Winston, que devia se “reabilitar” antes de ser definitivamente eliminado.
(...)
A mensagem era essa... O “Partido é eterno!”. Mas O’Brien advertiu que falaria a respeito do “como” e do “porquê” pinçados dos registros do diário de Winston.
Comentou que estava claro que o rapaz tinha conhecimento de “como” o Partido se mantinha no poder... Perguntou a ele se podia dizer-lhe os motivos de o Partido se agarrar ao poder. Qual seria o objetivo? Por que devia manter sua constante sede de poder?
Winston se calou... O’Brien viu que ele estava lutando contra o esgotamento físico e mental, mas exigiu respostas. Notou também que ele procurava contemplar atentamente sua fisionomia agitada, e cansada, pelo fanatismo doentio.
O raciocínio do moço era lento, mas aos poucos definia algumas respostas... Assim se imaginou dizendo as obviedades afinadas aos mais convictos membros do Partido Interno, como aquele que se posicionava diante de seus olhos.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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