quarta-feira, 2 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – minuciosos exames para conferir a igualdade; comparando a documentação; resta saber do horário de nascimento de cada um; “não deverá ser cômodo viver sabendo-se duplicado de outra pessoa”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_31.html antes de ler esta postagem:

Antônio Claro fez questão de dizer que só faria sentido possuir outra arma naquele local se tivesse a intenção de tirar a vida do seu “igual”... Tertuliano questionou por que aquela possibilidade era cogitada... Que sentido teria tirar-lhe a vida?
O ator explicou que ele mesmo havia colocado o “dedo na ferida” quando perguntou a respeito do que ocorreria depois de todas as revelações... Tertuliano não desmentiu, mas acrescentou que estava disposto a ir embora quando o próprio Antônio insistiu para que ficasse.
O ator respondeu que a retirada não proporcionaria nada que pudesse esclarecer os fatos... Cada um voltaria aos seus afazeres e às suas esposas... Continuariam a ser o “reflexo da própria imagem” à distância... Um “duplicado permanente”... Sem dúvida, “algo insuportável”.
Tertuliano esclareceu que não era casado... Concordou que dois tiros que o outro disparasse solucionariam suas angústias... Mas era certo que a arma estava descarregada e que não havia nenhuma outra escondida no bolso do outro.
A questão sobre o que se sucederia depois permanecia sem resposta.
(...)
Comprovaram que ambos possuíam os mesmos sinais no antebraço direito... Aproximaram-se e viram que as mesmas marcas de pele de um se repetiam no outro.
Antônio Claro comparou a situação ao enredo de ficção, talvez uma produção cinematográfica que colocasse clones verdadeiros em cena... Tertuliano concordou e disse que deviam ter a mesma cicatriz no joelho... Para o ator não havia mais dúvida... As fisionomias, vozes, braços e mãos eram idênticos!
A menos que topassem ficarem nus um diante do outro.
Enquanto bebericava de seu uísque, Antônio disse que não via motivos para não procederem a mais este exame... Tertuliano disse que seria caricato, até porque o outro havia concordara que não havia dúvida de que eram mesmo idênticos.
Antônio Claro tomou a inciativa de se despir... Tertuliano o observou e enxergou a si mesmo... Não tão determinado, ele decidiu se livrar das roupas também. E foi assim que o Antônio Claro viu a si mesmo no corpo do professor de História.
Sentiram-se como se tivessem roubado a identidade um do outro. Também podiam se sentir roubados!
(...)
Era assustador... Um era mesmo cópia do outro!
Tertuliano vestiu-se novamente... Levantou-se e deu a entender que tudo o que tinham de fazer ali já havia sido concluído... Restava retornar para casa. Antônio Claro insistiu para que ficasse, pois havia ainda algo que pretendia esclarecer.
O ator tirou a carteira de identificação do bolso e deixou claro que queria comparar as datas de nascimento... E também o horário em que nasceram. Disse essas coisas ao mesmo tempo em que passava o seu documento ao Tertuliano.
O professor não precisou de muito tempo para conferir... Respondeu que também havia nascido no mesmo dia, mês e ano que constavam da identificação de Antônio Claro.
Este quis conferir a identificação de Tertuliano... Segurou o documento por uns dez segundos... Tudo se repetia!
Tertuliano quis saber se o outro se dava por satisfeito... Antônio Claro disse que queria mesmo comparar os horários em que cada um havia nascido... Sugeriu que escrevessem num papel e depois mostrassem ao mesmo tempo.
Ele teve de explicar ao professor que no caso de simplesmente falarem, o segundo a se pronunciar poderia sentir-se tentado a subtrair alguns minutos do horário anunciado pelo primeiro.
Tertuliano sentenciou que, a partir daquela suposição, o fato de escreverem num papel também não garantia lisura ao processo. Antônio Claro fez questão de dizer que tudo era uma questão de “retidão e boa-fé”.
(...)
Tertuliano vacilou... Na verdade temia a chegada desse instante... Não externara sua neurose ao outro, mas era evidente que ela também o incomodava.
O professor quis saber qual era a importância de esclarecerem mais aquele ponto... Fez essa pergunta sabendo o que ouviria... Com naturalidade o tipo disse que dessa forma descobririam qual dos dois era o duplicado.
E de que valeria saber isso? Foi Tertuliano quem insistiu...
Em resposta, Antônio Claro disse que “não deverá ser cômodo viver sabendo-se duplicado de outra pessoa”.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas