Antônio Claro fez questão de dizer que só faria sentido possuir outra arma naquele local se tivesse a intenção de tirar a vida do seu “igual”... Tertuliano questionou por que aquela possibilidade era cogitada... Que sentido teria tirar-lhe a vida?
O ator explicou que ele mesmo havia colocado o “dedo na ferida” quando perguntou a respeito do que ocorreria depois de todas as revelações... Tertuliano não desmentiu, mas acrescentou que estava disposto a ir embora quando o próprio Antônio insistiu para que ficasse.
O ator respondeu que a retirada não proporcionaria nada que pudesse esclarecer os fatos... Cada um voltaria aos seus afazeres e às suas esposas... Continuariam a ser o “reflexo da própria imagem” à distância... Um “duplicado permanente”... Sem dúvida, “algo insuportável”.
Tertuliano esclareceu que não era casado... Concordou que dois tiros que o outro disparasse solucionariam suas angústias... Mas era certo que a arma estava descarregada e que não havia nenhuma outra escondida no bolso do outro.
A questão sobre o que se sucederia depois permanecia sem resposta.
(...)
Comprovaram que ambos possuíam os mesmos sinais no
antebraço direito... Aproximaram-se e viram que as mesmas marcas de pele de um
se repetiam no outro.
Antônio Claro comparou a situação ao enredo de ficção, talvez uma
produção cinematográfica que colocasse clones verdadeiros em cena... Tertuliano
concordou e disse que deviam ter a mesma cicatriz no joelho... Para o ator não
havia mais dúvida... As fisionomias, vozes, braços e mãos eram idênticos!
A menos que topassem ficarem nus um diante do outro.
Enquanto bebericava de seu uísque, Antônio disse que não via motivos
para não procederem a mais este exame... Tertuliano disse que seria caricato,
até porque o outro havia concordara que não havia dúvida de que eram mesmo
idênticos.
Antônio Claro tomou a inciativa de se despir... Tertuliano o observou e
enxergou a si mesmo... Não tão determinado, ele decidiu se livrar das roupas
também. E foi assim que o Antônio Claro viu a si mesmo no corpo do professor de
História.
Sentiram-se como se
tivessem roubado a identidade um do outro. Também podiam se sentir roubados!
(...)
Era assustador... Um era
mesmo cópia do outro!
Tertuliano vestiu-se
novamente... Levantou-se e deu a entender que tudo o que tinham de fazer ali já
havia sido concluído... Restava retornar para casa. Antônio Claro insistiu para
que ficasse, pois havia ainda algo que pretendia esclarecer.
O ator tirou a carteira de identificação do bolso e deixou claro que
queria comparar as datas de nascimento... E também o horário em que nasceram.
Disse essas coisas ao mesmo tempo em que passava o seu documento ao Tertuliano.
O professor não precisou de
muito tempo para conferir... Respondeu que também havia nascido no mesmo dia,
mês e ano que constavam da identificação de Antônio Claro.
Este quis conferir a identificação de Tertuliano...
Segurou o documento por uns dez segundos... Tudo se repetia!
Tertuliano quis saber se o outro se dava por satisfeito... Antônio Claro
disse que queria mesmo comparar os horários em que cada um havia nascido...
Sugeriu que escrevessem num papel e depois mostrassem ao mesmo tempo.
Ele teve de explicar ao professor que no caso de
simplesmente falarem, o segundo a se pronunciar poderia sentir-se tentado a
subtrair alguns minutos do horário anunciado pelo primeiro.
Tertuliano sentenciou que, a partir daquela suposição, o fato de
escreverem num papel também não garantia lisura ao processo. Antônio Claro fez
questão de dizer que tudo era uma questão de “retidão e boa-fé”.
(...)
Tertuliano vacilou... Na verdade temia a chegada desse instante... Não
externara sua neurose ao outro, mas era evidente que ela também o incomodava.
O professor quis saber qual era a importância de esclarecerem mais
aquele ponto... Fez essa pergunta sabendo o que ouviria... Com naturalidade o
tipo disse que dessa forma descobririam qual dos dois era o duplicado.
E de que valeria saber
isso? Foi Tertuliano quem insistiu...
Em resposta, Antônio Claro disse que “não deverá
ser cômodo viver sabendo-se duplicado de outra pessoa”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_2.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto