segunda-feira, 14 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – os objetivos se tornam mais claros; desagravo, vingança, ódio; é preciso aproximar-se de Maria da Paz e ultrajá-la para demolir moralmente Tertuliano

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_14.html antes de ler esta postagem:

Antes que Helena chegasse do trabalho, Antônio experimentou os disfarces... Viu-se no espelho e poderia afirmar a si mesmo “este sou eu”... Também poderia perguntar “este quem é?”.
Mas o exame da aparência teve pouca duração. É que Helena vinha se comportando de modo cada vez mais estranho... Tornou-se comum chegar do trabalho e percorrer a casa silenciosamente e estranhando a mobília e os cantos do lar.
Pobre Helena... O esposo não sabe dizer palavras que lhe possam trazer tranquilidade e paz interior...
Talvez o tipo não tivesse mesmo a menor condição de proporciona-lhe isso.
Naquele momento ele podia ser visto a apressar-se a guardar os objetos temendo ser flagrado pela mulher.
(...)
Na manhã seguinte, logo que Helena saiu para trabalhar, Antônio telefonou para o número que conseguiu na lista telefônica... A mãe de Maria atendeu... O ator permaneceu em silêncio conforme havia estabelecido.
As poucas palavras que a senhora proferiu foram suficientes para que ele concluísse que a mulher só podia se tratar da mãe, avó, ou alguma tia solteirona de Maria.
Não havia como saber se a casa era habitada por algum homem... O pai, um irmão... Mas isso não ocupou o pensamento do Antônio Claro... Antes disso, raciocinou sobre como seria reconhecido no caso de dar de frente com a moça... Amigo ou amante? Certamente preferiria ser reconhecido como o amante...
Neste ponto do texto temos de concluir que aos poucos Antônio Claro chegou a certas conclusões a respeito do seu intento... Pode ser que ele não soubesse desde o princípio, mas o que o motivava tinha a ver com “intenções malévolas”.
Quando recebeu a caixa com a barba postiça podia ter dito à Helena que atirasse o adereço ao lixo, ou ainda que ligasse à polícia para colocar um fim à história, fosse qual fosse a consequência.
(...)
Mas como sabemos não foi assim... Faltou ao tipo seguir o que qualquer um que se paute pelo senso comum faria... Vemos que sua obsessão estava em conhecer a Maria da Paz. E as intenções que levava na cabeça não eram nada boas.
Inicialmente não poderia se instalar em frente ao prédio e perguntar a todas que aparecessem se se tratavam da Maria da Paz... E nem faria a loucura de tentar um “golpe de sorte” após dar umas voltas no quarteirão e dizer à primeira que surgisse que ela só poderia ser a da Paz...
Sugerir um café, tirar a barba postiça? Nada disso! Logicamente a mulher se espantaria... Mas isso estava mesmo fora de cogitação... Antônio Claro sabia que não podia antecipar situações. E isso quer dizer que não tinha a menor intenção de tratar com ela sobre o estranho caso de “cópias idênticas” do qual ele o Tertuliano eram partes.
(...)
Ao ator interessava, sobretudo, saber se a moça em questão valia a pena... O que faria se, ao avistá-la, notasse uma figura sem componentes atrativos?
Saramago adianta que este não é o caso da Maria da Paz... Mas o ator teria de resolver como chegaria a reconhecê-la... Principalmente porque não poderia dar motivos de suspeitas aos vizinhos...
Antônio Claro pensou em todas essas coisas... Pensou também em Helena... A Maria devia ser mais ou menos como ela... Um tipo de trabalho e horários fixos... Mas se esforçou para incorporar a ideia de que a esposa nada tinha a ver com aquilo... Ele manteria sua fidelidade de marido... O negócio com a Maria (nem dava para saber o que ocorreria!) se relacionava à sua sede de vingança... Estava indo à desforra! Seu sentimento era de ódio... Fundamentava-se essencialmente na trágica fatalidade de ter um tipo que em tudo era a sua cópia... Um tipo que ousara desafiá-lo com a caixa contendo a barba.
(...)
Então... O que se passava pela cabeça de Antônio Claro?
Evidentemente, sem o menor bom-senso, o rapaz estava decidido a se aproveitar da pobre Maria da Paz... Fazendo-se passar por Tertuliano, a levaria para a cama...
O tipo estava entendendo que, desse modo, se vingaria à altura da ofensa que fora dirigida à sua Helena... Além disso, dessa maneira, cumpria-se o desagravo ao ataque da silenciosa caixa com a barba postiça.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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