Voltemos ao Tertuliano...
Ele disse à mãe que descobrira certo tipo em tudo semelhante a ele próprio... Contou que havia se encontrado com o homem e que estava arrependido por isso... Explicou que diante do estranho chegou a duvidar da própria identidade. E emendou que nem mesmo dona Carolina seria capaz de identificar o filho entre os dois.
Dona Carolina garantiu que se a colocassem diante de dez semelhantes a ele certamente apontaria o verdadeiro Tertuliano. Era “instinto de mãe”. Conversaram um pouco sobre esse instinto... Dona Carolina acreditando que o pressentimento de mãe é dos mais intensos... Tertuliano o colocando em dúvida e questionando se há reciprocidade dos filhos em relação às mães.
Dona Carolina respondeu que não... E brincou que isso se dá porque “os filhos são todos uns ingratos”...
Ela quis saber se era esse o motivo de toda a sua preocupação... Tertuliano respondeu que ficara chocado com aquela história e que nos primeiros dias tivera uns pesadelos por causa dela. Por isso tornara-se obsessivo.
Mas então, como andavam as coisas depois de tudo? A mulher quis saber... Tertuliano disse que o Senso Comum o trouxera à razão... Disse que não tinha o menor sentido se aproximarem depois de tantos anos de existência sem se darem conta um do outro... Sequer poderiam ser amigos... A mãe completou que o mais provável seria se tornarem inimigos.
Tertuliano confessou que também pensara daquela forma... Mas garantiu que isso havia passado e sentia que tudo se tornara mera recordação, “um sonho mau que o tempo irá extinguindo pouco a pouco na memória”.
(...)
Tomarctus
estava sempre por perto de dona Carolina... Tertuliano olhou-o e questionou
sobre a reação do animal se diante dele se colocassem os dois “iguais”... Dona
Carolina apostou que Tomarctus o reconheceria pelo cheiro... O professor
respondeu que talvez fossem idênticos também neste quesito.
A
mãe sentenciou que alguma diferença deveria haver... Arrematou que o filho não
podia ter tanta certeza como fazia crer... Será que haviam se colocado nus
diante de um espelho? Ela quis saber... Ele negou com um “evidentemente que
não”...
(...)
Nem
podemos dizer que ele mentiu porque, de fato, não havia um espelho no instante
em que se colocaram pelados para compararem os traços mais íntimos.
(...)
Tomarctus espreguiçou-se e retirou-se do ambiente...
Dona Carolina quis saber se
Tertuliano havia contado à Maria da Paz a respeito do sucedido com o tipo
estranho e tão semelhante a ele... A
resposta foi negativa, e Tertuliano sustentou que com isso pretendia preservá-la
de mais preocupações... Explicou também que, numa ocasião em que se mostrara
apreensivo, havia lhe prometido entrar em detalhes com ela... Dona Carolina
duvidou que isso ocorresse um dia... Ele respondeu que era melhor que as coisas
permanecessem como haviam se acomodado.
Dona Carolina sentenciou
que há determinadas situações em que o pior cenário é aquele em que somos
tentados a deixar tudo como está... Tertuliano não concordou e disse que, de
acordo com o seu pensamento, havia uma maior possibilidade de tudo ser
esquecido.
A mãe provocou
afirmando que se ele gostasse de Maria certamente teria contado tudo a ela...
Tertuliano respondeu que gostava dela... Dona Carolina não objetou, mas alertou
que ele não gostava o suficiente... E emendou que isso era um sinal de que
talvez o rapaz estivesse confuso... Não se abria com a garota, então não teria
como justificar os momentos que passavam juntos.
Ele
entendeu que a mãe estava a defender uma rapariga que sequer conhecia... Dona
Carolina respondeu que mesmo sem a ter visto sabia muito a respeito só pelo que
lera nas cartas e ouvira nos telefonemas do filho.
O professor quis saber se
isso já seria suficiente para concluir que Maria era o tipo ideal para ele.
Dona Carolina provocou ao dizer que ele poderia questionar que suas palavras o
colocassem como tipo ideal para a da Paz...
Ele
respondeu com outra pergunta... A mãe acreditava nisso? Ela respondeu que
talvez não fosse mesmo a pessoa certa para se casar com Maria... Neste ponto, o
rapaz sentenciou que a solução seria colocar um termo à relação.
Dona
Carolina nem concordou nem discordou... Ele continuou um tanto amargurado...
Era preciso manter coerência... Se na opinião da velha, a garota era o tipo
ideal para ele, mas ele não o era para ela, então não havia sentido em casarem.
De modo simplificado, dona
Carolina respondeu que, no caso, ele parecia adormecido e, dessa forma, não teria como encontrar uma companheira com a qual pudesse despertar diariamente... Tertuliano disse que não andava a dormir, que não
se tratava de um sonâmbulo e que tinha seus compromissos com o trabalho.
(...)
Dona Carolina ouviu as palavras do filho...
Depois sentenciou que achava que desde o nascimento havia uma parte nele
adormecida... Vaticinou que um dia seria obrigado a despertar violentamente...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_18.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto