Tertuliano decidiu que a relação com Maria da Paz não só continuaria como avançaria para um estágio de maior união... Ao que tudo indica se entenderam bem... Ela desejava viver junto ao amado, e ele sinalizou positivamente.
Mas é claro que “o passo seguinte”, onde morariam, exigiu alguns entendimentos. A questão girava em torno do local onde se instalariam... Se no pequeno apartamento do professor ou no de Maria, que era maior.
Prevaleceu o bom senso... O apartamento de Tertuliano ficaria menor ainda se tivesse de abrigar três pessoas... Já o de Maria era suficiente para o casal, a mãe dela e mais os livros do professor.
Ainda não haviam acertado para quando ocorreria a mudança, mas, diferentemente do período anterior, os noivos conseguiam concordar em vários pontos... O único senão que ainda pesava sobre a consciência de Tertuliano era o não ter revelado a história da duplicação à Maria... Ele havia lhe prometido que quando chegasse a ocasião adequado contaria os detalhes que faltaram ser ditos na vez que confessou a respeito da mentira sobre a carta à produtora.
Mas a verdade é que, da mesma forma que ele não se animava a iniciar diálogo a respeito do delicado assunto, ela também não ousava perguntar-lhe... Talvez porque temesse abalar o encantado momento que viviam.
Seria melhor deixar o assunto bem enterrado? Haveria risco de ele voltar à tona? Ainda não é momento de pensar sobre essas questões.
(...)
Já fazia dois dias que Tertuliano metera-se em sua
escrivaninha comprometido com a finalização do projeto que devia ser enviado ao
ministério... Maria achou melhor não incomodá-lo e por isso não se falavam nem
mesmo ao telefone... Ele considerou de suma importância colocar um termo à
tarefa para depois dedicar-se à mudança, principalmente à organização dos
livros.
Após a refeição do meio do dia num restaurante próximo à sua casa,
Tertuliano caminhou pensando sobre o quanto ainda faltava para finalizar o
trabalho e entrega-lo ao diretor... Considerou que já era tempo de adquirir um
computador, pois o trabalho na máquina de escrever demandava revisões que lhe
tomavam tempo... Maria já trabalhava com computadores no banco e com certeza
ela o ensinaria a lidar com a máquina.
Sem mais demoras, voltou à sua redação... De repente a campainha tocou...
Pelo adiantado da hora não podia ser a vizinha que fazia a limpeza dos
cômodos... Também não devia ser o carteiro ou qualquer dos funcionários que
faziam as medições de luz, água e gás...
Mas só podia ser algum vendedor (talvez de “enciclopédias em que se
explicam os costumes do tamboril”).
Novamente a campainha tocou... Interrompeu a datilografia e dirigiu-se à
porta. Ao abri-la, deparou-se com o tipo usando a barba postiça. Antônio Claro
se anunciou e Tertuliano foi perguntando o que ele pretendia.
(...)
O professor estava
visivelmente incomodado... Antônio disse que queria conversar... Emendou que
havia telefonado e deixado a gravação que solicitava um retorno, o que não
ocorreu.
Tertuliano sentenciou que o
que tinham de conversar já havia sido tratado na casa de campo... Antônio
salientou que ainda faltava algo que ele precisava comunicar. Entendia que o
outro não percebesse o que ainda tinham de falar, mas deixou claro que não era
conveniente falar-lhe à entrada sob o risco de ser ouvido pelos vizinhos.
O professor insistiu
que não tinham nada a tratar... O outro adiantou que o que tinha a dizer envolvia
Maria da Paz. As palavras o assustaram e ele quis saber se havia acontecido
algo... Antônio respondeu que “por enquanto, nada”.
Mas então não tinham nada a tratar! Tertuliano quis encerrar de vez o encontro
inesperado... Todavia Antônio repetiu que “por enquanto”...
Não havia dúvida... O tipo
estava planejando algo...
E, fosse o que fosse, envolvia
a pobre da Paz em alguma trama.
Sem alternativa, Tertuliano abriu passagem para
o inconveniente, que sugeriu sentarem-se para anunciar o que o trazia ali.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_95.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto