Antônio Claro justificou sua última ideia dizendo que o próprio Tertuliano dissera que se tivesse uma arma na casa a dispararia... Quer dizer que, de certo modo, a questão se resolveria se um dos dois fosse eliminado... Antônio lembrou a ocasião em que se encontraram na casa de campo e disse que, se sua arma estivesse carregada, nada daquilo estaria ocorrendo...
Paciência...
Tinham de aceitar que os dois eram pessoas de bem, tinham sua aversão aos crimes, prisões e às demais consequências funestas que tudo isso podia provocar. Então Antônio entendia que, indiretamente, matava Tertuliano ao passar a noite com sua mulher... Com ela aprontaria tudo o que um casal apaixonado vivencia numa noite romântica.
Ainda na sequência de seu raciocínio, Tertuliano não tinha motivos para protestar porque para a da Paz não haveria nenhum trauma... O que ela viesse a fazer ou dizer durante a noite seria devotado ao seu amor verdadeiro.
Tertuliano ouviu o que o outro dizia... Estava arrasado... Se aquilo fosse uma partida de xadrez, restavam-lhe poucas peças e o mate era iminente... De ombros caídos, esperava o próximo lance.
(...)
Pelo visto os momentos finais estavam se aproximando...
Antônio olhou para o relógio e disse que tinha de se
apressar, pois Maria o aguardava... Observou que precisava vestir roupas de Tertuliano
e tinha de usar o seu carro para completar a “transmutação”.
Aquilo foi demais... Tertuliano reagiu mostrando indignação pelo fato de
o outro não poder se apresentar com seu carro muito melhor do que aquele a que
Maria já se acostumara...
Então era isso mesmo? Tinha de lhe emprestara roupas e
o carro? Mas o que Antônio faria se o professor se recusasse?
Sem se exaltar, o ator respondeu que telefonaria naquele mesmo momento à
Maria para lhe contar tudo... E no caso de Tertuliano avançar sobre ele para
impedir, seria golpeado com tanta violência que logo estaria completamente
desacordado.
Usando de ironia, Tertuliano perguntou que tipo de traje ele
pretendia... “Traje completo com gravata?”... Antônio não perdeu tempo e
respondeu que precisava de roupas mais leves.
(...)
O professor se dirigiu ao quarto e voltou à sala com tudo o que o tipo
necessitava (“uma camisa, umas calças, jérsei, meias, sapatos”...). Antônio se
trocou no banheiro... Depois pegou o relógio de pulso do seu “igual”... Tomou
posse também de sua carteira de identificação e de outros objetos... Tornou-se
um “Tertuliano perfeito”.
Ele nem precisou de se
esforçar para obter mais... O próprio Tertuliano entregou-lhe as chaves do
carro e explicou que os documentos do veículo estavam no porta-luvas... Também as
chaves da casa foram passadas para Antônio... O professor explicou que
evidentemente ele retornaria para se trocar e podia não encontrá-lo.
Antônio explicou que
voltaria de manhã... Disse que acertara com a esposa que ao meio-dia estaria em
casa... Helena já estava acostumada com os compromissos profissionais do marido
que demandavam sua presença em outros sítios durante a noite.
Por um momento ele
pensou que não tinha nenhum motivo para entrar em maiores detalhes... Afinal
sempre estivera no controle da situação delicada em que estava se metendo...
Tertuliano observou que ele não devia levar os próprios documentos, nem
relógio ou as chaves da própria casa... “Nada de pessoal” podia estar com o
ator... E por quê? Simplesmente porque as mulheres são dadas a “reparar nos
pormenores”.
Antônio quis saber se o professor não precisaria
das chaves do apartamento... Tertuliano disse que ele não devia se incomodar
porque a vizinha que fazia a limpeza possuía cópias (ou “duplicadas”)...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-os_23.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto