sábado, 26 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – de desesperado a retirar-se a disposto a permanecer e triunfar sobre o outro; incerteza sobre o retorno do rival

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_26.html antes de ler esta postagem:

Somos levados a pensar que depois daquela noite o casamento de Helena pioraria...
Evidentemente devemos esperar que, além de se desentender com Antônio Claro por causa de sua trama com a Maria da Paz, ao saber que se envolvera fisicamente com o tipo que era a cópia do marido, adoeceria ainda mais.
Todavia devemos retornar àquele instante em que ela se retirara do quarto para preparar o desjejum dos amantes.


(...)

No quarto estava o Tertuliano a remoer-se em reflexões sobre como escapar dali...
E tanto pensou que não descartou a possibilidade de permanecer na casa para testemunhar a chegada do Antônio Claro... Sem dúvida, se isso ocorresse, o tipo teria de reconhecer o seu triunfo.
De nada adiantaria ao Antônio Claro esbravejar e partir para a violência... No final teria de admitir à esposa que também procedera como um algoz. À Helena restaria fazer todas as comparações entre os dois e concluir que de fato eram em tudo idênticos.
No mínimo essa hipótese reservaria ao Tertuliano uma surra descomunal... Mas isso não tiraria os louros de “sua vitória moral”... Pelo menos é assim que ele estava pensando...
Por incrível que pareça, ele que não teve coragem de impedir que a Maria da Paz fosse levada para a alcova pelo adversário, passou a entender que devia ficar ao lado de Helena para impedir que o marido lhe viesse com agressões.
(...)
Helena retornou ao quarto com a bandeja do desjejum... Tertuliano levantou-se e posicionou-se na cadeira dizendo que a xícara podia escorregar apara a cama, a manteiga lambuzaria seus dedos e ele se sentiria tentado a limpá-los no lençol...
Ela entendeu que o “marido” buscasse a praticidade, mas a verdade é que Tertuliano esperava mesmo que Antônio Claro chegasse a qualquer momento... Então era preferível que o tipo encontrasse a própria cama arrumada e que os dois que passaram a noite ali estivessem devidamente limpos e vestidos.
(...)
A manhã avançou... Pouco depois das dez e meia, Helena resolveu fazer umas compras... Despediu-se com um beijo e um “até já”.
Tertuliano foi para o sofá e abriu o seu livro sobre as antigas civilizações da Mesopotâmia.
Logo Antônio Claro chegaria... Podia ser que encontrasse a mulher pelo caminho e lhe adiantasse uma mentira qualquer... Ela entraria aos gritos e acusando o tipo de impostor... Diria que o verdadeiro marido era o que estava sentado no sofá a estudar para os próximos papéis em que atuaria.
Em suas ilações, Antônio Claro protestaria e tentaria provar que ele era o verdadeiro marido... Aquele outro era o professor de História e isso podia ser facilmente comprovado pelo livro que estava a ler... Provavelmente Helena exigiria que ele explicasse por que a aliança de casamento estava no dedo do tipo sentado no sofá... 
(...)
Nada disso ocorreu, pois Helena retornou sozinha de suas compras.
Ela notou que o “marido” olhava várias vezes para o mostrador do relógio e perguntou se ele estava preocupado... Tertuliano negou ao mesmo tempo em que quis saber de onde ela tirava a ideia... Apenas por hábito verificava as horas, talvez estivesse um pouco nervoso porque o próximo projeto era ambicioso... Quem sabe não lhe dariam o papel de Hamurabi?
Finalizou a desculpa dizendo que aquilo representaria um giro de 180º em sua carreira... O relógio acusava 11:30.
(...)
Quinze minutos se passaram e o tipo não chegou.
Mais cinco minutos... Helena ocupou-se com outra coisa longe da vista do intruso... Ele pensou que era um bom momento para escapar... Desceria pela escada prestando atenção à sua volta até chegar à rua.
Também não foi isso o que ocorreu...
Ao meio-dia o relógio da sala soou suas pancadas... O coração de Tertuliano estava bem mais acelerado do que o ritmo mecânico do aparelho que também fazia a decoração do ambiente.
Tertuliano teve a sensação de que as pancadas do relógio soavam como se fossem um ultimato para o tipo... Afinal Antônio Claro havia se comprometido com a esposa... Não chegaria depois do meio-dia!
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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