sexta-feira, 11 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – Antônio Claro resolveu ir à produtora para se apossar da carta; fantasmas o atormentam, além disso, a solidão e amargura de Helena parecem não ter solução

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_7.html antes de ler esta postagem:

De bem pouca valia seria a carta que Tertuliano escrevera à produtora... No caso de encontrá-la, o que suas linhas podiam revelar de tão especial? É verdade que, de posse do documento, o ator teria condições de conferir o seu conteúdo e, se fosse mesmo o caso de só encontrar elogios, saciar o ego ao ler sobre o reconhecimento de sua importância para o cinema.
De tanto pensar a respeito da possibilidade de algum funcionário atendê-lo, Antônio Claro resolveu que não podia deixar passar a oportunidade de chegar à produtora... Levantou-se silenciosamente e colocou-se no sofá da espaçosa sala a pensar sobre como justificaria à Helena a ida ao escritório dos patrões.
Não demorou e arquitetou uma desculpa interessante... Pôs-se a cochilar no próprio sofá...
(...)
Helena levantou-se no horário habitual e o encontrou fora do quarto... Antônio despertou manifestando certo espanto e foi logo dizendo que passara mal à noite... Evidentemente estivera estudando suas falas para o próximo filme até que descobriu um erro no caderno com as guias que orientam também as ações da personagem... O que poderia fazer senão dirigir-se imediatamente à produtora para que corrigissem o erro?
A mulher tentou acalmá-lo dizendo que ele voltasse a dormir, pois a correção do equívoco no roteiro podia ficar para depois do almoço... Lamentou que ela mesma não pudesse fazer o mesmo e acrescentou que dentro de duas semanas entraria de férias e aproveitaria para dormir bastante... Ainda mais com a ajuda daqueles tranquilizantes!
Antônio emendou que não se conformava de a esposa pensar apenas em dormir durante as férias... Helena respondeu que a cama era o lugar em que se encontrava mais protegida, como que num castelo seguro graças às altas muralhas.
Ele ousou dizer que a compreendia, já que seus pensamentos deviam estar agitados “por dois homens”... Ela se pronunciou com indignação, pois não acreditava que ele estivesse a falar com seriedade. O ator disse que não havia falado com o sentido que supostamente ela atribuía à afirmação... Completou que, além do mais, não tinha o menor cabimento sentir ciúme de alguém que sequer conhecia e que não pretendia conhecer.
(...)
Como se vê, Antônio Claro não tinha como contar a verdade sobre o que pretendia fazer na produtora... Disse qualquer coisa a respeito da absurda situação que vivenciavam com o tipo duplicado... Depois quis mostrar que sua preocupação era com a saúde de Helena... Passar as férias acamada? Sugeriu viajarem. Mas de pronto a esposa explicou que preferia permanecer em casa... Além do mais sabia que ele estava comprometido com o trabalho para o próximo filme.
Antônio ainda sugeriu passarem alguns dias na casa de campo... Bastava solicitar o serviço de alguém do povoado para que o jardim fosse tratado e que fizesse uma limpeza geral. Helena garantiu que aquilo era uma solidão total... Diferente da “solidão vivenciada no próprio lar”, onde se sentia melhor. E não adiantou o marido propor alternativas... Por isso encerraram a conversa e fizeram o desjejum.
Helena retirou-se para o trabalho... Pouco depois Antônio também resolveu sair... O tipo pensava no contra-ataque... Todavia não tinha certeza do que o motivava.
(...)
Os atores aparecem pouco no escritório da produtora... Ainda mais para requisitar uma carta de fã... É claro que o conteúdo que busca é no mínimo intrigante... Por que será que um admirador solicitava o seu endereço?
Por sorte, um dos chefes de serviço do local era um seu conhecido dos tempos escolares... Após os cumprimentos de praxe, Antônio foi dizendo que pretendia ter acesso a uma carta de admirador... O tipo chamou pelo interfone uma jovem funcionária que tinha condições de atendê-lo.
A moça o recebeu com sorriso e elogios sobre seu último filme e quis saber em quê podia ajudá-lo. Então Antônio Claro disse que queria conhecer uma carta de certo Tertuliano Máximo Afonso.
A funcionária adiantou que se a missiva fosse das que solicitavam fotografias era certo que já não se encontrava na produtora porque cartas dessa natureza são recebidas aos montes e, depois de atendidas, são eliminadas... Evidentemente o prédio teria de contar com imenso arquivo se resolvesse guardar todas.
O ator explicou que, até onde sabia, o admirador havia solicitado o seu endereço... Mas o que o levava até o escritório era o fato de saber que o tipo acrescentara alguns comentários que o interessavam diretamente.
Depois Antônio Claro teve de inventar que ouvira falar do autor da carta... Um professor de História... Provavelmente sua correspondência teria chegado ao escritório há duas ou três semanas.
A moça não era a responsável pelos registros e arquivamentos... A titular estava de férias... Todavia ela tinha algum acesso ao sistema... Disse com convicção que não se recordava do estranho nome Tertuliano... Sendo assim, não podia dar esperança de encontrar algo.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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