quinta-feira, 29 de outubro de 2015

“Estado de Sítio”, de Albert Camus – terceiro ato – prossegue o debate entre o facínora e o libertador; para o primeiro, o povo comum deve satisfazer-se com a justiça que o regime oferece; para o segundo, conhecedor das limitações de sua gente, ninguém pode arrogar para si toda a virtude; a “inversão da lógica do poder”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus_28.html antes de ler esta postagem:

Diogo deixou claro que conhecia a “receita” dos ditadores... Eles ordenavam a morte “para suprimir o assassínio”; violentavam “para reparar a injustiça”... Faziam isso há séculos... Peste representava os facínoras que se arrogam “líderes de nações”; do tipo que “apodrecem a chaga do mundo” ao mesmo tempo em que despontam como “salvadores da pátria e curandeiros de todas as moléstias sociais”...
Tipos como Peste vivem a se vangloriar e fingem não saber que os mais esclarecidos desejam rir diante de suas caras.
Ele não se importou com as palavras. Sentenciou que não tinham coragem de rir diante dele porque ele era realizador...
Diogo deu de ombros e ironizou que a eficácia de seu oponente só podia ser comparada à do machado... Muito prático!
Peste também não se importou com a interpretação do rapaz... Disse que bastava olhar os cidadãos para perceber que “a justiça é bastante boa para eles”...
(...)
Diogo estava bem à vontade para falar... Disse que após a instalação do estado de sítio os cidadãos ficaram confinados entre os muros da cidade... De certo modo isso possibilitou que ele tivesse mais condições de observá-los com atenção.
A ironia não abalou Peste, que completou seu raciocínio dizendo que Diogo podia ter certeza de que todos aqueles cidadãos submetidos sempre o deixariam só, e o homem “só” deve morrer.
(...)
A discussão prosseguiu. Diogo quis dizer que Peste não tinha razão... Se, de fato, ele fosse “só” tudo seria bem simples... Mas a questão era que “por bem ou por mal” o povo dominado confiava nele e estava com ele.
Foi a vez de Peste ironizar... Sobre o último juízo de Diogo, ele comentou que seu rebanho era “belo, mas cheirava mal”.
O que havia de mal naquilo? Diogo quis saber, afinal tinha consciência de suas origens... Vivia para a cidade onde nascera e entendia que nem ele nem seus concidadãos eram puros... Entendia-se como um “tipo entre os seus” e estava engajado em seu tempo.
(...)
Mas que tempo era aquele dos homens de Cádiz?
Peste sentenciou que viviam a “época dos escravos”!
Diogo não aceitou e insistiam que viviam o “tempo dos homens livres”!
Onde estariam os homens livres? Peste provocou...
Diogo respondeu que eles deviam ser procurados nas prisões do regime e nos cemitérios... Nos tronos estavam os escravos.
(...)
Como vemos, o jovem revolucionário invertia a lógica do poder... Então Peste o desafiou a imaginar os “homens livres” usando o uniforme da polícia do regime.
O próprio Diogo entendia que seus liderados eram covardes e cruéis... Isso se evidenciara em diversas ocasiões. Mas se eles não tinham “direito ao poder”, esse também era o caso de Peste. Afinal, quem poderia arrogar para si toda virtude e usá-la como justificativa para investir-se de poder absoluto?
Diogo acrescentou que os humilhados por Peste tinham “o direito à compaixão”... Isso era algo que certamente seria recusado ao opressor...
(...)
Peste desprezava o modo de ser dos habitantes de Cádiz. E fez questão de manifestar isso mais de uma vez... Disse que viviam como covardes e que eram “pequenos, necessitados, sempre na mediocridade”.
Diogo respondeu que nada daquilo diminuía o seu amor pelo povo. E é por isso que ele se mantinha fiel aos mais altos propósitos...
Eventualmente isso podia se resumir à “pobre verdade” que compartilhava com aquela gente.
Leia: Estado de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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