A confusão se estabeleceu...
As pessoas avançaram para cima da irmã de Vitória e subtraíram-lhe o caderno da secretária... Encontraram o nome da garota e imediatamente riscaram-no. A pobre coitada caiu sem dar um grito sequer.
Nada, que estava observando a tudo silenciosamente, pôs-se a bradar... Disse que todos estavam “unidos pela supressão”... Uns suprimiriam aos outros e disso resultaria a “limpeza geral”... O bêbado delirava com a situação que unia (num só êxtase) oprimidos e opressores.
(...)
O caderno estava nas mãos de um tipo enorme... Ele
concordou que algumas limpezas precisavam ser feitas, os “alvos” deviam ser principalmente
aqueles que se refestelaram e comeram do bom e do melhor enquanto a maioria se
arrebentava de fome e pavor.
(...)
Todos se tornaram imóveis e voltaram a ele os seus
olhares.
A secretária acomodou-se ao seu lado enquanto os guardas tratavam de
restabelecer a ordem e as marcas do regime.
O ditador virou-se para Diogo e resumiu que aqueles pelos quais lutava
atacavam-se, poupando o trabalho do regime. Valia a pena sacrificar-se por
aqueles tipos?
Diogo não deu atenção. Em vez disso, com a ajuda do pescador, atirou-se
sobre o corpulento para arrancar-lhe o caderno. O rapaz rasgou-o na esperança
de tornar impossíveis as tarefas da secretária.
Ela manifestou que seu esforço era inútil porque havia uma duplicata.
O rapaz disse aos camaradas
que eles haviam sido enganados... Era preciso retomar o trabalho.
Peste sentenciou que
aquelas pessoas reservavam para si mesmas o sentimento de temor... E, ao mesmo
tempo, destinavam o seu ódio aos demais...
Diogo quis corrigi-lo
anunciando que nem medo nem vitória interessavam... O que traria a vitória ao
seu povo seria o avanço organizado sobre os inimigos... Os guardas recuaram.
(...)
Peste exigiu silêncio.
Discursou de modo que até
os mais afastados pudessem ouvir.
Em síntese deixou claro que se tratava de um tipo
muito mau. Era ele quem azedava o vinho e dessecava os frutos; matava o
sarmento no instante mesmo em que estava para surgirem uvas, e o fazia verde
quando todos o queriam para produzir fogo.
Não escondeu sua aversão às pessoas simples, às suas alegrias e desejo
de serem livres...
Peste odiava aquele país... Todos deviam esperar o
pior!
As prisões e os carrascos estavam sob seu controle... E mais a força e o
sangue...
Seu desejo não era outro senão o de arrasar Cádiz. Uma vez arrasada, não
haveria nem mesmo como resgatar sua história...
Silêncio! Deixou claro que apenas o silêncio é marca das “sociedades
perfeitas”.
(...)
Aqueles que assistem à encenação ouvem uma série de sons conflitantes (“ranger
de serrote; zumbidos; clarões de irradiação”). Dois grupos estão lutando... Os
gestos em mímica revelam isso! Os homens de Peste sofrem para conter o grupo de
Diogo. Quando a agitação diminui, nota-se que os rebeldes vencem a peleja.
(...)
Peste irritou-se
profundamente... Bradou que ainda restavam os reféns.
O bêbado da cidade, Nada,
disse que “sempre restaria alguma coisa”. Os (seus) escritórios e tudo o mais
continuariam... Ainda que a cidade ruísse e os homens desertassem, “os
escritórios se abririam em horário fixo, para administrar o nada”... O tipo
concluiu sua fala dizendo que “o paraíso tem seus arquivos e mata-borrões”. Ele
mesmo era a eternidade.
(...)
Nada se retirou.
O coro cantou a vitória...
O verão, enfim, terminava em vitória. Ela traria
toda felicidade que os homens mereciam (as mulheres amadas; o vinho jorrando em
inesgotáveis fontes; as flores).
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus_27.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto