Em conversa com a secretária, que acabara de riscar o barqueiro do caderno para exibir o poder que o regime tinha de decidir a vida e morte das pessoas, Diogo expôs sua conclusão...
Ele entendia que não podia esperar nada dela (ou de Peste, seu superior) além de mentiras... Até o “fim dos tempos” o todo poderoso regime mentiria...
Suas palavras revelavam que ele pôde constatar que a fome e as separações impostas ao povo serviam para distrai-lo... Esgotados em suas forças, os cidadãos não teriam como se organizar para uma revolta.
(...)

A covardia impedia que agissem... Assim, permaneciam humilhados e
“servilizados”... Contudo (pelo menos esse era o pensamento de Diogo) todos
podiam declarar que o regime imposto não tinha nenhum significado.
É verdade que aquele poder tinha a capacidade de
escurecer o céu, mas não representava nada além de “sombra atirada sobre a
terra”... Um vento potente poderia dissipá-la sossegadamente.
“Algarismos e fórmulas”... Eis a síntese do que o regime trazia! Aquilo
não levava em consideração elementos discrepantes: “a rosa selvagem, os signos
do céu, os rostos de verão, a grande voz do mar”... E, além de tudo isso, a
cólera contida nos corações dos homens.
(...)
A secretária deixou escapar outro sorriso... Diogo a advertiu e chamou-a
de imbecil...
Na aparente vitória de Peste havia o elemento de sua derrota, a força
interior de cada homem, algo indestrutível. O misto de medo e de coragem... Uma
loucura, mas seria essa força que ainda explodiria e evidenciaria que o regime
não era mais do que fumaça.
O rapaz dizia essas duras palavras, mas a outra continuou a rir...
Ele a esbofeteou...
O coro de homens retirou as
mordaças e liberou um forte grito de exultação...
(...)
Enquanto atacava a
secretária, Diogo esmagou a própria marca de infecção... Com preocupação,
apalpou-a e analisou a mão.
A secretária disse em tom de aprovação que se sentia ainda mais admirada
em relação a ele. Ela o fez notar que a marca estava desaparecendo.
Ele quis saber se estava
ficando curado... Ela segredou-lhe que, apesar de magnífico, o sistema possuía
um defeito... Se alguém vencesse o medo (e se se revoltasse) toda a máquina “rangeria”...
Tal evento poderia resultar em colapso total do regime.
(...)
Depois de algum silêncio, Diogo quis saber por que ela
havia lhe revelado aquilo que podia significar o “germe de destruição” do
regime.
A mulher explicou que a rotina imposta por Peste era cansativa... Mas o
fato é que, sozinho, Diogo estava descobrindo a “falha”.
Era verdade que ela havia chegado ali para
destruí-lo...
Diogo concluiu que isso teria ocorrido, de fato, se ele não a agredisse.
(...)
O regulamento era claro...
Diogo teria de ser destruído...
Porém, àquela altura dos acontecimentos ele mesmo já sabia que a
superação do medo o tornara forte.
E quanto a isso, a
secretária nada podia (isso constava do regulamento).
Percebe-se que ela não conseguia esconder sua
satisfação.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-fim-do_23.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto