Era com sinceridade que Nada confessara sua total dedicação ao “regulamento geral”.
Outros regulamentos existiram outrora... Mas o tipo estava encantado com a organização imposta por Peste (saldo de todas as contas; os viventes postos no index; “tábua de matérias” substituindo a vida; céu e terra desvalorizados...).
Irritado, Peste exigiu que o bêbado retornasse às suas ocupações... À secretária ordenou que realizasse sua tarefa “ao acaso”, pois isso seria mais emocionante.
(...)
Ela riscou dois nomes “ao acaso”... Então se ouviram “batidas
surdas” e, na sequência, dois homens tombaram.
Peste, seguido por seus guardas, retomou a colocação de cruzes nas
portas... As janelas foram novamente fechadas por eles.
(...)
Ao longe, Diogo não lamentava a morte...
Pelo contrário! Dizia que ninguém mais a temia...
De um lado, as pessoas se engajavam em seus afazeres e avançavam... O
vento soprava.
Do outro lado, os soldados se movimentavam na direção delas... Então o
vento cessava.
(...)
A tudo Peste observava com atenção. Ordenou à secretária que riscasse o
nome de um tipo específico, que se mostrava completamente fora das
determinações impostas... Ela respondeu que não era possível porque o sujeito
já não sentia medo.
Peste quis saber se o
indicado podia saber se havia se livrado do medo.
A secretária disse que era
provável que ele suspeitasse de algo...
(...)
A secretária fez
novos riscos ao acaso...
Novas batidas surdas foram seguidas de mais corpos tombando.
Isso gerava receios e
avanços das pessoas comuns e dos soldados.
Nada vibrava com o espetáculo dos cidadãos “morrendo
como moscas”.
(...)
Diogo incentivava os companheiros a ampararem os que tombavam... Não
havia como não notar suas heroicas atitudes.
Peste observou que sua ousadia estava “indo longe
demais”.
A secretária concordou... Havia melancolia em sua constatação, e o ditador
percebeu isso. Então lhe disse que esperava que a fiel servidora não tivesse
revelado segredos ao Diogo. Ela garantiu que o rapaz havia descoberto tudo sozinho,
e que ele “tinha o dom”.
(...)
Se Diogo “tinha o dom”, Peste “tinha os meios”... Ele exigia que se
tentasse uma alternativa contra o jovem rebelde... Deixou claro que a
secretária tinha de providenciar novos encaminhamentos.
Na sequência o ditador se retirou.
(...)
Os membros do coro retiraram suas mordaças e suspiraram aliviados...
Todos reconheciam que Peste havia dado o seu “primeiro recuo”...
Até o céu se ampliara! O
vento soprava!
As fontes estavam
murmurando! O sol negro se evaporara!
O verão parecia se
despedir... Certamente as frutas e a folhagem verde das saladas faltariam nas
mesas... Porém o solo estava amolecido pelas águas...
Todos se abrigariam do inverno; e não faltariam
castanhas assadas, milho, nozes e “leite à beira do fogo”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus_25.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto