A secretária advertiu-os... Disse que palavras como a que Vitória havia pronunciado (“amor”) estavam proibidas pelo sistema.
Ela voltou-se para Diogo e o feriu na axila. Era uma segunda marca... Isso significava que, de suspeito, ele passava à condição de contaminado.
A assistente de Peste lamentou. Disse que Diogo era um rapaz muito bonito... Olhou para Vitória e pediu desculpas por demonstrar que preferia os homens... Despediu-se e desejou boa noite aos dois.
(...)
Diogo se desesperou ao notar a segunda marca na axila.
Abriu os braços e abraçou a amada. Vociferou que a beleza de Vitória o
sufocava. Era triste saber que ela sobreviveria enquanto ele desapareceria para
sempre. Apertou-a contra si e manifestou que não tinha mais importância... O
amor dela de nada valeria se não apodrecessem juntos.
O rapaz a machucava... Ela protestou... Ele estava se comportando como
louco... Pôs-se a rir e a perguntar sobre os “negros cavalos do amor” (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/09/estado-de-sitio-de-albert-camus-inicio.html)... Para ele,
Vitória soube ser amorosa “nas belas horas”, porém num momento de desgraça (como
aquele) os “negros cavalos fugiam”...
(...)
Ela podia ao menos morrer
com ele.
Vitória recuperou o fôlego e disse que aceitava morrer
com ele... Mas não “contra ele”... A fisionomia de Diogo a assustava. Tudo o
que ela queria era manifestar sua ternura.
Ele soltou-a e, como a desculpar-se, disse que não queria morrer
sozinho... Lastimava que a amada se recusasse a segui-lo.
Ela atirou-se em seus braços e garantiu que o acompanharia até o inferno
se isso fosse necessário... Suas pernas tremiam... Pediu que a beijasse.
O casal enroscou-se num breve beijo... Vitória sufocava quando soltou um
gemido... Ao se separarem, Diogo observou que não carregava nenhuma marca no
corpo.
(...)
Vitória expressou o desejo de abraçá-lo novamente, no entanto ele
escapou garantindo que não podia se esquecer da dor que parecia impregnada em
seu ser... Para ela, bastava que se juntassem novamente, assim podiam ser
consumidos pela “mesma febre”.
No entanto, Diogo estava
decidido a juntar-se aos demais infectados... Não podia suportar o sofrimento
de seus pares... Entendia que as pessoas precisavam ser ajudadas... Julgava
que, estando em condições satisfatórias, tinha um papel a cumprir.
(...)
Vitória não aceitou a
decisão do amado... Sabia que o seu engajamento junto aos atingidos pela doença
o levaria à morte... Disse que invejaria a terra que o cobrisse na sepultura.
Ele passou a
dissuadi-la e respondeu que ela devia permanecer “entre os que vivem”.
Talvez um prolongado beijo de amor pudesse igualar a condição de ambos...
Vitória desejou que isso ocorresse para que pudesse viver (ou morrer)
definitivamente com o amado.
As lamentações não tinham
fim... O regime proibia o amor... Mas Vitória entendia que faziam uma espécie
de chantagem para que todos acreditassem que “o amor era algo impossível”. E
ela estava disposta a mostrar que era mais forte do que tudo isso.
Diogo não se considerava um tipo forte. Era com
sinceridade que desejava não envolvê-la em futuro fracasso...
Vitória queria mostrar que, se era verdade que possuísse alguma força,
era o seu amor que lhe vigorava... Então o colocava acima de todas as coisas
para sustentar que não temia a mais nada... Poderia morrer feliz se Diogo
prendesse as mãos às suas.
(...)
Vitória fazia essas declarações desesperadas... Ela só
interrompeu seu discurso quando se ouviram gritos vindos da parte onde doentes
se concentravam.
Diogo disse que “outros também gritam”... Ela respondeu que ficaria
surda até a morte...
A carreta passou carregando mais mortos para o cemitério.
O rapaz chamou a atenção da amada... Ela disse que não podia ver mais
nada porque o amor ofuscava a sua visão.
Ele ponderou que aquele céu
que pesava sobre eles concentrava a dor do povo.
Vitória lembrou-lhe que tinha necessidade de
toda a sua força para conduzir o amor que tinha dentro de si... As dores do
mundo não lhe pertenciam... Elas eram tarefas “para homem” que necessitava se desviar
“do único combate verdadeiramente difícil, da única vitória da qual poderia se
orgulhar”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_20.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto