Vemos uma mudança na postura de Diogo... Aos poucos ele foi colocando a “causa social” acima do amor que nutria por Vitória.
Ele a ouvia em sua determinação de a tudo desafiar apenas para permanecer ao seu lado. Os gritos dos que sofriam com a epidemia feriam seus ouvidos e consciência.
(...)
Diogo sentenciou que a
injustiça a todos imposta era a única coisa que teria ser vencida por ele.
Vitória percebia a dificuldade para convencê-lo de que
deviam se entregar ao amor que nutriam um pelo outro... Disse-lhe que a
desgraça se apoderara dele. O rapaz não objetou... Em vez disso, lamentou
sentir-se impotente diante da desgraça que se lhe apresentava gigantesca.
Ela mostrou-se disposta a, ainda assim, permanecer com ele. Garantiu que
seu amor era tudo o que podia oferecer...
Mais uma vez o moço se deteve perante a radiante
beleza da namorada... Então confessou que o medo que o estava dominando impedia
o florescimento de seu amor.
Vitória quis corrigi-lo dizendo que, se a amasse mais, certamente o
sentimento de temor seria arrefecido. Diogo confirmou que a amava, mas estava
confuso a respeito de onde estaria a razão.
Ela insistiu que “aquele que não tem medo” tem a razão... Diferentemente
do coração do amado, o dela estava ardendo de paixão... Sentia como que os
fogos das noites de São João celebradas pelos montanheses.
Diogo quis dizer que ao lado das fagueiras festivas sempre havia os
cemitérios... Mas Vitória respondeu que aquilo não tinha a menor importância,
pois o seu amor era sincero e a ninguém prejudicava...
Bem o contrário da
“loucura” de Diogo... A quem ele devotava suas parcas energias? Ela sabia muito
bem que não era a destinatária de suas atenções...
A moça se sentia apunhalada pelas palavras do amado... Afirmou isso e
pôs-se a chorar.
Isso lhe tocou fundo...
Pediu a ela que não chorasse mais. Ficou injuriado por ser a causa do
sofrimento daquela que tanto amava... Disse que poderia beber das suas lágrimas
e depois cobrir o seu rosto de beijos.
Essas palavras deram alento
a Vitória, que lhe estendeu as mãos... Disse que queria tocá-lo. O rapaz
mostrou-lhe as marcas e recuou. Vitória também vacilava e não chegava a fazer o
reconhecimento tátil.
Diogo notou que ela tinha
medo de sua condição... Falou sobre isso... Então ela avançou uma das mãos
sobre suas marcas... Ele reagiu recuando...
Vitória estendeu os braços e exclamou que ele devia se apressar sem
sentir receios.
(...)
Mas aconteceu que os
gemidos das pessoas infectadas aumentaram... Diogo não se conteve e afastou-se
de Vitória... Olhou para todos os lados até decidir-se fugir na direção de onde
acreditava virem os lamentos doentios.
(...)
O coro de mulheres fez o seu jogral...
Todas ali estavam abandonadas e ansiavam pelo retorno
de seus maridos.
Aqueles sofridos gemidos tinham de chegar ao fim... Era demais!
Só restavam as recordações dos dias perfumados, dos mares livres, das
flores desabrochadas.
As mulheres eram como as “folhas mortas, nos temporais de setembro”.
Chegaria o dia em que as amendoeiras se cobririam de folhas e flores
anunciando o fim das agonias?
Impossível saber...
Essa suposta “segunda
primavera” traria consigo os passos de seus amados.
Certamente o vento
precederia esses acontecimentos.
Que viesse, então, o vento tão esperado!
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_21.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto