sexta-feira, 23 de outubro de 2015

“Estado de Sítio”, de Albert Camus – segundo ato – a secretária reconhecia que o regime não conseguia “vigiar a tudo e todos”; para mostrar que ninguém ficava de fora da lista, riscou o barqueiro; Diogo a desafia a eliminá-lo ali naquele mesmo momento

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_21.html antes de ler esta postagem:

Sobre o barqueiro, a secretária disse que também ele “se acreditava livre” sem saber que “estava inscrito como todo mundo”... Diogo protestou contra a sua linguagem dúbia afirmando que os homens não suportavam aquele tipo de expediente. Era preferível que ela fosse direto ao objetivo.
A secretária não se importou com o drama manifestado. Apenas confirmou que toda cidade tem o seu classificador. Aquele (caderno) que tinha nas mãos era o de Cádiz. Ninguém ficava fora da lista...
Diogo pensou nas palavras da mulher... Pensou sobre a condição do barqueiro, de “apartado dos acontecimentos”... Então provocou dizendo que, apesar da certeza anunciada por ela, todos podiam escapar de seu controle.
Ela refletiu por um instante e disse que algumas vezes ocorria de um ou outro ser esquecido... Mas avisou que esses sempre “se traíam”. Principalmente se chegassem aos cem anos e se se vangloriassem por isso... Os jornais divulgam sempre, e ela anota os nomes...
Diogo não entendia como ela podia contar vantagem numa situação como a que havia exemplificado... Sobretudo porque “durante cem anos” aqueles “esquecidos” teriam negado o sistema... Em sua opinião, era exatamente isso o que todos os habitantes de Cádiz vinham fazendo (ainda veremos se ele tinha razão).
A secretária garantiu que cem anos não representam nada. Para ela, o que contava era o fato de os tipos eventualmente esquecidos pela lista não terem significância. O que era um tipo desses num universo de 372 mil homens? Interessava ao sistema agir sobre os que estavam na faixa etária dos 20 anos!
(...)
Ela fez um risco no caderno... Ao longe se ouviu um grito e um ruído que lembra a queda de algo em águas.
Debochando, a secretária liberou um pequeno sorriso e disse que agira sem pensar. Depois anunciou que o “riscado da lista” era o barqueiro... Aquele mesmo sobre o qual falavam pouco antes... Ainda debochando, completou que foi por “puro acaso”.
Diogo a olhou com repugnância e se manifestou a respeito da medonha aversão que sua presença anunciava. Ela deu a entender que sua tarefa era das mais ingratas, mas era preciso cumpri-la... Até confessou que no começo não se sentia confiante, porém o tempo dera-lhe destreza e firmeza à mão.
A secretária aproximou-se do rapaz... Ele pediu que se afastasse... Mas, em vez disso, ela se aproximou mais enquanto ia falando sobre o aperfeiçoamento do sistema... Uma máquina seria colocada à sua disposição.
(...)
A secretária chegou a tocá-lo. Nesse momento ele avançou contra ela e agarrou-a pela gola. Furioso, gritou que ela deveria terminar de uma vez por todas com aquela agonia... Seria a única forma de salvar “o belo sistema”.
Ele desabafou que ela não gerava nada além de estatísticas, gráficos... Enfim podia-se entender por que tinham como alvo as grandes populações... “O trabalho podia ser feito no silêncio e no odor tranquilo da tinta”.
Diogo prosseguiu esbravejando que eliminá-lo frente a frente devia ser incômodo para ela... Na individualidade, o homem “grita sua alegria e agonia”. Por que não matá-lo naquele instante? Era certo que enquanto vivesse não sossegaria em sua missão de “desarrumar aquela bela ordem”.
O rapaz deixou claro que se recusava a aceitar o regime de Peste. A secretária quis adulá-lo... Tratou-o por “querido”... Mas ele exigiu que ela se calasse, pois pertencia a uma raça que honrava igualmente a morte e a vida.
(...)
A secretária não discordou ou apresentou qualquer objeção às palavras do jovem.
Leia: Estado de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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