domingo, 18 de outubro de 2015

“Estado de Sítio”, de Albert Camus – segundo ato – de como o regime entende a liberdade de voto; equações, as “regras do jogo” e manipulações políticas; Diogo não se considera à altura do amor de Vitória; a secretária interrompe a aproximação do casal

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_18.html antes de ler esta postagem:

Uma votação legitimaria o novo governo.
Nada disse que os que comandavam distritos haviam sido orientados a direcionarem os votos de suas populações. Para o primeiro alcaide havia possibilidades de aparecerem votos contrários. Nada argumentou que se os “bons princípios” fossem colocados em prática ninguém ousaria votar contra Peste.
Mas que “bons princípios” seriam esses?
O próprio Nada explicou que eram aqueles que diziam que “o voto é livre”... Uma pequena manobra colocaria tudo no mais perfeito eixo: apenas os votos a favor do governo seriam considerados como “livremente expressos”... Já a quantidade dos demais votos passaria por uma equação (que ele mesmo justificava) “para que sejam eliminados os entraves secretos que poderiam ter sido levados à liberdade de escolha”, assim, seriam “descontados de acordo com o método preferencial, equiparando a mistura divisionária ao quociente dos sufrágios não expressos, em relação ao terço dos votos eliminados”.
O primeiro alcaide garantiu que entendeu tudo o que o outro afirmou... Na verdade ele vacilava... Então Nada acrescentou que, tendo ou não compreendido, bastava considerar nulos os “votos hostis ao governo”...
Mas então, onde estava a “liberdade de voto”?
Nada deixou claro que o princípio que adotavam era o de que “um voto negativo não é um voto livre”, mas sentimental e “dominado pelas paixões”. Ora, se o primeiro alcaide ainda não pensara dessa forma é porque “não tinha uma ideia exata de liberdade”.
(...)
Diogo fugia... Vitória estava em seu encalço.
O jovem queria que ela entendesse que ele perdera a noção das coisas, inclusive sequer sabia se havia algum “dever a cumprir”. Era com sinceridade que manifestava a sua confusão. Vitória dizia que o dever que temos “é para com aqueles que amamos”... Então era preciso coragem para prosseguir em frente.
(...)
Então temos essa situação... Diogo não podia encarar Vitória... E tudo porque, diferentemente de sua própria condição, ele a via altiva... Tinha o direito de amá-la?
Suas palavras deixavam-na triste e preocupada... Ela pediu para não falar dessa maneira... Ele devia levar em consideração o amor que nutriam um pelo outro... Se fosse necessário (ela garantiu) se lançaria ao chão para mostrar sua covardia, e tudo para mostrar que não era tão forte quanto ele imaginava.
Vitória proferia palavras de equilíbrio... Não pretendia ser motivo de depressão para o amado... Garantiu que ele sempre surgia em seu coração toda vez que pensava “no tempo em que esperava entregar-se”...
Mas então a que futuro podia aspirar? Por não ter vivenciado a total entrega ao amado, Vitória sentia-se morrer “de um covarde arrependimento”... Mas garantia que apenas o amor que nutria a impulsionava “para frente”.
O que ela faria se Diogo desaparecesse? Não teria mais sentido em prosseguir em sua existência.
(...)
Ele a amava.
Ouvir suas palavras foi um duro golpe.
Depois de algum tempo, suspirou e desejou um dia estar plenamente ligado a ela.
Os dois seriam um, mergulhados “num sono sem fim”.
Vitória respondeu que o esperava.
(...)
Um avançou em direção ao outro.
Estavam para se tocar quando foram interrompidos pela secretária.
A eficiente e fiel servidora de Peste quis saber o que estavam fazendo...
“Amor!” Foi o que Vitória gritou em reposta.
Leia: Estado de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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