Uma votação legitimaria o novo governo.
Nada disse que os que comandavam distritos haviam sido orientados a direcionarem os votos de suas populações. Para o primeiro alcaide havia possibilidades de aparecerem votos contrários. Nada argumentou que se os “bons princípios” fossem colocados em prática ninguém ousaria votar contra Peste.
Mas que “bons princípios” seriam esses?
O próprio Nada explicou que eram aqueles que diziam que “o voto é livre”... Uma pequena manobra colocaria tudo no mais perfeito eixo: apenas os votos a favor do governo seriam considerados como “livremente expressos”... Já a quantidade dos demais votos passaria por uma equação (que ele mesmo justificava) “para que sejam eliminados os entraves secretos que poderiam ter sido levados à liberdade de escolha”, assim, seriam “descontados de acordo com o método preferencial, equiparando a mistura divisionária ao quociente dos sufrágios não expressos, em relação ao terço dos votos eliminados”.
O primeiro alcaide garantiu que entendeu tudo o que o outro afirmou... Na verdade ele vacilava... Então Nada acrescentou que, tendo ou não compreendido, bastava considerar nulos os “votos hostis ao governo”...
Mas então, onde estava a “liberdade de voto”?
Nada deixou claro que o princípio que adotavam era o de que “um voto negativo não é um voto livre”, mas sentimental e “dominado pelas paixões”. Ora, se o primeiro alcaide ainda não pensara dessa forma é porque “não tinha uma ideia exata de liberdade”.
(...)
Diogo fugia... Vitória estava em seu encalço.
O jovem queria que ela entendesse que ele perdera a noção das coisas,
inclusive sequer sabia se havia algum “dever a cumprir”. Era com sinceridade
que manifestava a sua confusão. Vitória dizia que o dever que temos “é para com
aqueles que amamos”... Então era preciso coragem para prosseguir em frente.
(...)
Então temos essa situação... Diogo não podia encarar Vitória... E tudo
porque, diferentemente de sua própria condição, ele a via altiva... Tinha o
direito de amá-la?
Suas palavras deixavam-na
triste e preocupada... Ela pediu para não falar dessa maneira... Ele devia
levar em consideração o amor que nutriam um pelo outro... Se fosse necessário
(ela garantiu) se lançaria ao chão para mostrar sua covardia, e tudo para
mostrar que não era tão forte quanto ele imaginava.
Vitória proferia palavras
de equilíbrio... Não pretendia ser motivo de depressão para o amado... Garantiu
que ele sempre surgia em seu coração toda vez que pensava “no tempo em que
esperava entregar-se”...
Mas então a que
futuro podia aspirar? Por não ter vivenciado a total entrega ao amado, Vitória
sentia-se morrer “de um covarde arrependimento”... Mas garantia que apenas o
amor que nutria a impulsionava “para frente”.
O que ela faria se Diogo desaparecesse? Não teria mais sentido em
prosseguir em sua existência.
(...)
Ele a amava.
Ouvir suas palavras foi um duro golpe.
Depois de algum tempo, suspirou e desejou um dia estar plenamente ligado
a ela.
Os dois seriam um, mergulhados “num sono sem fim”.
Vitória respondeu que o esperava.
(...)
Um avançou em direção ao outro.
Estavam para se tocar quando foram interrompidos pela secretária.
A eficiente e fiel servidora de Peste quis saber o que estavam
fazendo...
“Amor!” Foi o que Vitória gritou em reposta.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_19.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto