O coro conclama a todos que sigam para o mar... Aconteça o que acontecer às gentes, o mar sempre estará a bater na praia com suas águas salgadas... Quantos governos caíram e foram por ele cobertos? Muitos! As manhãs são vermelhas, as tardes são verdes... Passam-se os dias e as noites e ele permanece com o seu movimento interminável... As cidades podem se fechar em seus medos... Prisão! Só o mar e o vento podem representar a liberdade.
E prossegue em tom de lamentação... Antes havia a Espanha, seus frutos e aromas... Agora apenas o medo, clamores e covardia. A única possibilidade de redenção seria a retirada para o mar... Mas, uma após a outra, as portas de Cádiz parecem se fechar.
(...)
Alguém advertiu que o morto
não podia ser tocado... Ele estava marcado com os sinais da infecção... Outro que
estava no meio do povo disse que era preciso se afastar do cadáver contaminado...
Mas ele mal terminou sua fala e foi atacado e ferido... Evidentemente os agentes
de Peste estavam evitando o pânico.
(...)
A terceira porta se fechou...
“Ó grande e terrível Deus!”, gritaram desesperadamente.
As pessoas se apavoraram ainda mais... De todas as
partes ouviam-se vozes que pediam que se apressassem e pegassem apenas o
essencial... Um colchão? A gaiola de pássaros? A coleira para o cão? Menta
fresca não podia ser deixada para trás, pois poderiam mastigá-la no caminho
para o mar.
A confusão reinou... Uma correria se iniciou porque um tipo quis
aproveitar a ocasião para se apropriar dos bens alheios... Uma vítima reclamava
que sua “toalha branca do casamento” havia sido surrupiada... O larápio foi
perseguido até ser alcançado e ferido.
(...)
A quarta porta se fechou...
Enquanto buscavam a saída, os fugitivos reclamavam de sua sorte... A
mulher pediu ao esposo que escondesse as provisões que lhes restavam... Um solitário
dizia aos demais (chamava-os de “irmãos”) que nada tinha, e por isso pedia que
lhe dessem um pão em troca de sua guitarra “incrustrada de madre pérola”...
Como resposta, ouviu que o pão era para os filhos e não para os que se diziam “irmãos”...
Havia os que se decidiram a carregar somente o muito dinheiro que possuíam...
Mas se viram ansiando por trocá-lo todo “por um só pão”.
(...)
A quinta porta se fechou...
O coro apressou a todos...
Só restou uma porta, e ultrapassá-la significava deixar a cidade dominada por
Peste e seguir no rumo do mar e da libertação...
Mas estava claro que
o flagelo era mais ligeiro do que os cidadãos... O que será que Peste
pretendia? Queria obrigar a todos ao seu domínio e ao seu estranho modo de
amar... Fazia sentido aprisionar a população para proporcionar-lhe a
felicidade?Todos seriam
obrigados a aceitar “prazeres forçados”, “vida fria”, “felicidade perpétua”?
(...)
Viram que o padre estava fugindo...
Dirigiram-lhe clamores...
Quiseram mostrar que eram pobres e que pertenciam espiritualmente a ele... O
religioso não quis ouvir e continuou a escapar... Os fiéis insistiam que, se o
perdessem, perderiam tudo.
(...)
O padre já não podia ser avistado...
Ao longe, Peste e a Secretária deram mostras de aprovação ao que
passaram a ouvir... Um quinto mensageiro proferia novas recomendações...
Ele disse que também a comunicação entre as pessoas
poderia transmitir a infecção... É por isso que todos deveriam manter “um
tampão embebido em vinagre” na boca... Isso garantiria proteção, conduziria “à
discrição e ao silêncio”.
Todas as pessoas levaram lenços às bocas... O coro que havia se iniciado
com várias vozes foi minguando até silenciar-se completamente.
(...)
A última porta se fechou com grande estrondo.
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto