quinta-feira, 15 de outubro de 2015

“Estado de Sítio”, de Albert Camus – segundo ato – farta legislação e muita injustiça; a situação da cidadã retirada da própria casa pelo regime de Peste; Nada e a apologia da “degradação final”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_43.html antes de ler esta postagem:

Nada estava na portaria...
Tirava as dúvidas e dava encaminhamentos a petições diversas dos cidadãos.
Vemos que ele assumiu o papel de capacho de Peste. Seu procedimento se baseava na cartilha do regime, uma vasta legislação que, além de impor a nova ordem e vontade do ditador, servia para reprimir, confundir e travar o desenvolvimento social.
(...)
Uma mulher apareceu com uma queixa grave...
Sua casa fora requisitada pelo novo governo... Serviços administrativos foram instalados na residência. Nada manifestou sua aprovação... Mas a senhora não entendia por que devia perambular pelas ruas se haviam lhe prometido novo alojamento.
Nada fazia o discurso oficial... Lembrava que o governo havia pensado em tudo... Essas coisas... Era só uma questão de preencher o formulário e a petição.
A mulher quis saber se o procedimento resolveria sua situação... Nada respondeu que haveria apressamento se ela fornecesse uma “justificativa de urgência”, que nada mais era do que um documento que comprovava a necessidade de retirarem-na das ruas.
Mais uma situação absurda...
Ela não entendia por que tinha de preencher aquela papelada e redigir considerações se era evidente que o fato de os filhos ficarem sem um teto já era dramático por si só.
Nada explicou que se o atestado fosse convincente a administração providenciaria o novo teto... Definitivamente, disse em tom de conclusão, o fato de as crianças estarem perambulando e dormindo nas ruas não justificava qualquer medida mais incisiva do governo.
(...)
Como entender aquele tipo de linguagem? A mulher não entendia...
Para as pessoas simples, aquilo era o “linguajar do diabo”.
(...)
Nada não objetava esse tipo de juízo... Inclusive manifestou que a ideia era a de fazer com que ninguém compreendesse o que se passava ou o que era imposto pelo regime... Ele garantiu que se aproximava o momento em que os próprios cidadãos falariam sem “encontrar eco”... As linguagens se defrontariam... Os confrontos se acirrariam... Tudo se encaminharia para o “silêncio da morte”.
(...)
Mas que tipo de justiça a mulher esperava?
Ninguém fez essa pergunta para ela... Mesmo assim ela desabafou que o justo seria seus filhos não passarem fome nem frio... O justo era garantirem a vida aos filhos. Quando eles nasceram, havia o mar. E também a alegria sobre a terra. Não havia necessidade de outras riquezas... Sonhava para os filhos apenas “o pão de cada dia e o sono dos pobres”.
Ela prosseguiu dizendo que recusavam “o nada” aos pobres... Jamais seriam perdoados!
Nada lhe deu um conselho: “Era preferível viver de joelhos a morrer de pé”.
E como se estivesse a proferir uma enigmática condição (aquela em que Peste é o governante supremo), sintetizou que isso (viver com os joelhos dobrados) era necessário “para que o universo encontre sua ordem medida pelo esquadro das potências, repartido entre os mortos tranquilos e as formigas, de agora em diante, bem educadas – paraíso puritano, privados de prados e de pão, onde circulem anjos policiais, de asas maiúsculas, entre os bem-aventurados, saciados de papel e de nutritivas fórmulas, prosternados diante do Deus condecorado, destruidor de todas as coisas e decididamente devotado a dissipar os antigos delírios de um mundo delicioso demais”.
(...)
Delirando, Nada vaticinou que o “instante perfeito” estava próximo.
Leia: Estado de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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