O silêncio tomou conta do coro.
Peste exigia que todos se concentrassem... Deviam se manter ocupados e “executando”... Tinham de entender de uma vez por todas que “uma Peste vale mais do que dois libertados”.
E seguia ordenando deportações e torturas... Ele mesmo cuidava de garantir que “alguma coisa restaria no final”.
(...)
Na
casa do juiz, Vitória insistia com o pai para que não entregasse a pobre e
velha criada... A mulher estava contaminada... Mas o juiz não se sensibilizava
pelo passado de serviços prestados à sua família.
De
acordo com o seu modo de pensar, somente ele mesmo podia decidir sobre os
destinos de todos... A entrada do mal em sua casa devia ser impedida a qualquer
custo, e tudo ele faria para garantir a segurança.
(...)
O
homem interrompeu as justificativas que transmitia à filha ao notar a entrada
súbita de Diogo. Quis logo saber quem havia permitido a sua intromissão.
O
rapaz explicou que o medo o empurrou para ali... Confessou que estava fugindo
de Peste... O juiz tornou-se furioso e sentenciou que, na verdade, ele trazia a
infecção para a casa... Disse isso e apontou para as axilas do jovem.
Na
rua ouviam-se apitos que indicavam perseguições...
O
pai de Vitória exigiu que Diogo se retirasse imediatamente. O jovem explicou
que, se o capturassem, seria colocado junto aos demais infectados e condenados
ao definhamento medonho.
O juiz alegou que, como ”defensor da Lei”, não podia
acolhê-lo. Diogo insistiu que a “nova lei” nada tinha a ver com a antiga, a
qual o juiz servira no passado. O outro redarguiu com autoridade que sua
submissão era à Lei pura e simples, e não aos enunciados dela.
Diogo quis saber o que o
juiz pensava sobre a “Nova Lei” ser algo criminosa... O jurista explicou que se
era assim, o crime tornava-se lei...
Mas então a virtude devia
ser punida?
O juiz argumentou que
se ela tivesse a “arrogância de discutir a Lei”, devia, sim, ser punida.
(...)
Vitória
se intrometeu ao dizer que era o medo que levava o juiz Casado a pensar e agir
daquela forma... Ela defendeu Diogo que (apesar de também sentir medo) não
traíra seus princípios.
Casado deu de ombros e
garantiu que era uma questão de tempo, já que todo mundo tem medo e, por causa
dele, trai... Ninguém é puro, sentenciou.
A
moça lembrou que o pai havia consentido que os dois ficassem juntos. Sendo
assim, ele não poderia separá-los de um momento para outro.
O
juiz disse que não havia “dito sim” ao casamento da filha... Vitória ficou
horrorizada e teve força apenas para dizer que sabia que o pai não a amava.
O
velho respondeu que todas as mulheres causavam-lhe horror. E isso era uma “direta”
à própria filha.
(...)
A
discussão foi interrompida porque um guarda começou a bater à porta... O tipo
gritava que a casa do juiz estava condenada por ter dado abrigo a um
suspeito... Todos ali seriam colocados sob rigorosa observação.
Diogo
pôs-se a rir... Olhou para o juiz e disse que ele não conhecia todos os
detalhes da “Nova Lei”... Principalmente aquele que os colocava em “pé de
igualdade”.
A
esposa do juiz entrou com seus outros dois filhos (um casal)... Espantada,
anunciou que a porta estava interditada. Vitória explicou que a casa fora
condenada pela autoridade.
O juiz quis acalmar dizendo que a culpa era de
Diogo... Bastava denunciá-lo para que tudo se resolvesse. Vitória quis
perguntar se o pai se manteria em paz com a própria honra... Mas ele a
interrompeu dizendo que “honra é assunto para homens”. E completou garantindo
que não havia mais homens na cidade.
(...)
O barulho de apitos
cresceu... Notou-se uma correria do lado de fora.
Diogo se assustou e segurou
o irmão de Vitória.
Ele ameaçou o velho...
Caso ele o entregasse, teria de “esmagar a boca do pequeno com a marca de
Peste”. Vitória interveio e chamou-lhe a atenção... Aquilo era uma covardia!
Ele respondeu que “na cidade dos covardes” nada mais era covardia.
A mãe de Vitória
solicitou ao marido que prometesse ao louco o que ele quisesse... A outra filha
discordou e disse que o pai não devia prometer nada, pois aquilo não lhes dizia
respeito... A mulher protestou ao dizer que a garota odiava o próprio irmão.
O
juiz concordou com a filha... E isso fez com que a mulher emendasse que também
ele nutria rancor em relação ao garoto. O homem não se deu por rogado e
disparou que a criança era filho apenas da esposa.
(...)
Aquela
discussão deixou Vitória perplexa.
A
mãe lamentou o fato de também ela demonstrar-lhe desprezo.
O
juiz deu alguns passos até a porta.
Diogo
provocou o juiz que se dizia “sustentado na lei”... Fez um gesto ameaçador na
direção do garoto.
A mulher suplicou... Pediu que ele não se
comportasse como o juiz... Colocou-se diante da porta e garantiu que o velho
cederia.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/10/estado-de-sitio-de-albert-camus-segundo_18.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto