Peltov fazia seu depoimento ao mesmo tempo em que abria documentos... Foi assim que revelou os campos de Caraganda, Tzardskuy, Uzbek aos presentes...
(...)
Na verdade, menos que campos, tratavam-se de “porções de estepe gelada,
charcos, abarracamentos apodrecidos, em que homens e mulheres trabalhavam
quatorze horas por dia, em troca de seiscentos gramas de pão. Morriam de frio,
de escorbuto, de desinteria, de esgotamento. Quando se tornavam fracos demais
para o trabalho, eram encurralados nos hospitais, onde sistematicamente morriam
de fome”.
(...)
Henri revoltou-se com as
informações... Peltov bem podia estar mentindo, pois em sua condição (distante
do país) ficava-se à vontade para falar qualquer coisa... O tipo só podia ser
suspeito...
Ele olhou para Dubreuilh, mas não conseguiu detectar
nenhuma reação em sua fisionomia... Provavelmente duvidasse de tudo aquilo
(essa era a sua “norma”)... “A dúvida é nossa primeira defesa; mas não se deve
tampouco confiar nela”... Henri lembrou-se que em 1938 duvidava que logo
ocorreria guerra; em 1940 duvidou das câmaras de gás”... Sinceramente
lamentava, pois tinha certeza que Peltov exagerava em seus relatos... Mas
também desconfiava de que nem tudo o que dizia fosse invenção... Ao observar
novamente o dossiê (que anteriormente julgara “sem sentido”), associava os papéis
às palavras do fugitivo e montava um panorama terrível em sua mente...
Henri via os textos oficiais (traduzidos para o inglês) que tratavam dos
campos... Havia testemunhos de observadores americanos, de “deportados
entregues aos nazistas”...
Ele percebeu com amargura que até Dubreuilh deveria concordar que também
“na União Soviética homens exploravam outros homens até a morte!”.
(...)
Depois que Peltov se calou, Scriassine questionou os
presentes... Intelectuais que eram, aceitavam “uma ditadura de espírito”...
Poderiam endossar aqueles crimes contra a humanidade?
Samazelle foi o primeiro a se pronunciar dizendo que não havia
dúvidas... Dubreuilh manifestou-se em relação à falta de informações sobre os
motivos que teriam levado Peltov a evadir-se da URSS... Além disso, seria
necessário saber os motivos de ele ter colaborado com o regime por tanto tempo...
Em sua opinião, razões excelentes deviam ser apresentadas por aquele que fazia
as comprometedoras acusações...
É claro que Dubreuilh não queria correr o risco de auxiliar qualquer
manobra antissoviética... Então explicou que apenas metade do comitê do SRL estava presente. Samazelle deu a sua
opinião em relação ao voto que concluiriam ali como tradução da decisão do SRL.
Lambert se mostrou indignado, pois considerava que não havia motivos
para hesitação... Mesmo que apenas quarta parte do que Peltov havia dito fosse
verdade, seria necessário “anunciar através de alto-falantes”... E sintetizou
que campo de concentração, nazista ou soviético, dá no mesmo... Não há lógica
em combater os de um grupo para “encorajar outros”...
Dubreuilh entendeu a colocação de Lambert, mas
alertou que não tinham o poder de “modificar o regime da URSS”... Poderiam, sim,
agir na França a partir dos conceitos que ali se fazia da União Soviética...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-o_11.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto