Passaram-se quatro dias e Lambert recebeu um telefonema de Lilli... O velho havia sofrido um acidente no trem que o conduzia a Paris. Seu estado era grave e a informação que deram foi a de que ele havia caído da composição a partir da portinhola... Depois de uma hora agonizando em grave estado, o senhor Lambert morreu.
Lambert seguiu imediatamente para Lilli em sua motocicleta... Partiu em silêncio e quando retornou dos funerais enfurnou-se em casa. Ele desligou o telefone, e assim se isolou de tudo e de todos... Henri preocupou-se e desejou revê-lo.
(...)
Enquanto não se decidia a
visitar Lambert, Henri avaliava os papéis deixados por Scriassine... À tarde
teria uma reunião e aqueles nomes que lia na papelada (Caranga, Tzardskuy, Uzbek)
diziam-lhe pouco... Não lhes dava crédito... Scriassine era o intermediário do
“funcionário soviético” que havia deserdado... O tipo retirou-se do “inferno
vermelho” apenas para fazer aquelas denúncias? Henri mantinha-se desconfiado,
apesar de Samazelle garantir que havia identificado o misterioso George...
Então se tratava de um tipo real.
(...)
Também
a morte do senhor Lambert o incomodava... De fato, cumpria-se um “esquisito
capricho do destino”, pois o acidente ocorrera logo após a sua absolvição...
Preocupava-se com Lambert... É verdade que não se podia dizer que o rapaz
dedicasse afeição ao pai... Em vez disso, inspirava-lhe piedade...
(...)
Essas
coisas perturbavam os pensamentos de Henri, que aguardava Josette por volta do
meio-dia... Realmente, a moça chegou interrompendo sua análise sobre o “dossiê
russo” e as reflexões sobre a morte do senhor Lambert... Ela apareceu como que
por encantamento e estava bela como sempre.
Diferentemente
de outras vezes, quando ele conseguia se subtrair da realidade ao tomá-la nos
braços, nessa ocasião as reflexões anteriores voltaram a incomodá-lo. Mas teve
de voltar sua atenção a ela, que lhe enchia de perguntas sobre o lugar onde
morava (era a primeira vez que ela o visitava)... “Simplesmente lastimável”,
Josette deu o seu parecer sobre o apartamento... Onde ele organizava os livros?
Imaginava que escritor tivesse paredes repletas de livros... Henri
justificou-se dizendo que emprestava livros aos amigos e eles não os devolviam.
E
a moça prosseguia em sua ingenuidade... “É um escritor de verdade?”... Henri
respondeu que ”em todo caso” escrevia... Josette lamentou tê-lo interrompido,
pois viu que ele estava trabalhando. Ele pediu-lhe cinco minutos e sugeriu-lhe
a leitura dos jornais... Ela quis saber se havia notas policiais... Henri disse
que imaginava que ela lesse artigos políticos... Josette lamentou ao garantir
que as frases desse tipo de jornalismo desapareciam sob seus olhos...
Parecia-lhe que aqueles assuntos não lhe dizia respeito. Henri esclareceu,
então, que ela poderia se ocupar “com a história do enforcado de Pontoise”.
(...)
A
mesma constatação de Josette a respeito do noticiário político era a de Henri
ao retomar os papéis russos... “Narilsk, Igarka, Alsagachev”... “Nada daquilo
lhe dizia respeito”...
Josette não queria incomodá-lo, e por isso
falava baixo... Pediu cigarros e fósforos... Henri disse que já havia terminado
e quis saber para onde iriam... Ela respondeu que iriam “ao Iles Borromées”...
Imediatamente ele protestou, já que não pretendia seguir para a “boate
ultra-esnobe” inaugurada há poucos dias...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_6.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto