Henri estava em estado de graça... Passou a noite com Josette e sentia-se renovado... De manhã passearam pelo parque de diversões... Havia nele uma mistura de encantamento e compaixão, já que a via vulnerável perante a mãe, os traumas do passado e com as incertezas quanto ao rumo que deveria tomar. A bela Josette era ingênua e Henri se perguntava como poderia auxiliá-la.
Depois de se despedirem, ele seguiu para o apartamento de Paule... Eram apenas 11 horas da manhã, então chegaria cedo e por isso resolveu levar um Bordeaux.
(...)
Silenciosamente Henri se
aproximou da porta, e dali pôde ver que Paule estava de joelhos no tapete, onde
havia um amontoado de papéis antigos (cartas dele) e fotografias... A moça
retinha uma delas nas mãos e a contemplava. Não estava chorando...
Provavelmente alimentasse alguma esperança...
Henri
entrou e bateu a porta de modo a anunciar a sua chegada... Isso a alertou e ela
recolheu as cartas e fotografias. Ele perguntou-lhe o que estava fazendo...
Paule disse que não o esperava àquela hora e respondeu que relia as
antigas cartas.
A
poltrona estava forrada de papéis, objetos de sua veneração... Henri observou
tudo isso enquanto colocava o vinho sobre a mesa. Disse-lhe que não devia se
“enterrar no passado”... Lamentando que não estivesse pronta para recebê-lo,
Paule pediu que aguardasse até que arrumasse a mesa e se retirou para a cozinha.
Henri se dirigiu às cartas, mas foi impedido pela
violenta intervenção dela... Paule gritou, agarrou a papelada e a
atirou no armário. Ele deu de ombros para a iniciativa tresloucada...
A
mesa foi arranjada e eles se postaram um de frente para o outro... Paule serviu
entradas, enquanto Henri oferecia o Bordeaux e sugeria que ela saísse algumas
vezes para não se entediar... A moça respondeu que não via motivos para sair e,
além disso, gostava daquele ambiente.
Henri
argumentou que, se ela não admitia voltar a cantar, podia arranjar outra coisa
para fazer... Paule destacou que, aos trinta e sete anos, não sabia nenhum
ofício... Sobre isso, Henri disse que não era problema, pois sempre se poderia
aprender algum. Ela perguntou-lhe se desejava que passasse a ganhar a vida com
algum trabalho... Perron respondeu que a questão não era dinheiro, mas que ela
se interessasse por algo... Paule quis arrematar dizendo que se interessava
pela relação entre eles, e que isso lhe bastava há dez anos.
(...)
Foi
nesse momento que Henri se encheu de coragem para dizer que as coisas haviam
mudado, e que ela bem sabia disso... A relação havia se transformado em amizade
e o que importava para ele era que ela recuperasse a independência...
Paule respondeu que entre os dois não seria possível
uma relação de amizade... Falou sobre a chegada dele vinte minutos antes da
“hora fixada” e do modo febril ao bater a porta... Disse isso querendo mostrar que
aqueles não eram “modos de amigo”...
Sua
teimosia deixava Henri irritado... Paule se fechou e terminaram a refeição em
silêncio.
Depois
ela perguntou se ele voltaria à noite... Ouviu um “não”, então comentou que ele
já não retornava com frequência para o apartamento... Perguntou se aquele
procedimento era parte do “novo plano de amizade”...
Henri respondeu que simplesmente as coisas
aconteceram daquela forma. Paule se justificou e disse que o amava com toda
generosidade e respeito à sua liberdade... Esclareceu que se tornara
indiferente a todo e qualquer procedimento banal dele, e isso incluía possíveis
omissões de sua parte a respeito de outras mulheres... Assim, não era por causa
dela que ele deveria se sentir culpado.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_1.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto