O depoimento do dia 28 de abril de 1584 foi bem longo... Sentindo-se à vontade para falar, Menocchio fez diversas declarações...

A ideia de religião que Menocchio defendia estava muito afastada das pompas observadas nos cerimoniais e cotidianos da gente do clero de seu tempo. Além disso, demonstrava ser desnecessária a observância de complicados dogmas... Para ele, os cristãos não tinham o “privilégio das bênçãos divinas”, pois Deus “distribui o Espírito Santo para todos” (aí incluídos heréticos, turcos, judeus...). Sabemos que palavras como essas, usadas como pontos de vista naquele tempo de intolerância da Igreja, levariam Menocchio a sofrer as piores consequências.
Mas ele não se limitou a esses conceitos. Dirigindo-se diretamente às autoridades do Santo Ofício, disse que “padres e frades querem saber mais do que Deus”... Dessa forma, segundo o seu juízo, se equiparavam ao demônio, pois queriam se passar por Deus na terra... Ele ainda disparou que aqueles que pensam que sabem muito são os que nada sabem.
Se você acha que ele aumentou a temperatura do fogo que certamente o queimaria, ficará ainda mais surpreso com a ousadia (empolgação ou loucura) de Menocchio... Ele declarou que recusava os sacramentos porque todos eram invenções humanas, que serviam para o clero explorar os pobres... Segundo ele, ninguém precisava ser batizado porque, ao nascermos, Deus já nos batizou.
De acordo com suas idéias: Os sacramentos seriam invenções dos padres... O Batismo “nos leva a um vínculo religioso que só nos prejudica”... Os padres “comem a nossa alma” desde antes do nascimento até a morte; a Confirmação (Crisma) também é outra mercadoria porque todos já possuem o Espírito Santo (e argumentou ainda que, buscando saber tudo, não sabemos nada); o Matrimônio é outra invenção humana porque bastaria que o casal trocasse suas promessas de companheirismo e fidelidade como nos tempos antigos; a Ordem (sacerdotal) é algo totalmente desnecessário porque qualquer um que tivesse estudado (e se fosse seu desejo) poderia se tornar padre “sem se consagrar”, porque isso também é mercadoria; a Extrema Unção não tem valor algum porque de nada adianta ungir o corpo se “o espírito não pode ser ungido”; sobre a Confissão, dizia que falar com um padre sobre os pecados ou conversar com uma árvore, para obter perdão dos pecados, dá no mesmo... Os padres teriam de confessar-se com Deus, no íntimo de seus corações, para obter perdão.
O Santo Ofício sabia, a partir de depoimento do vigário de Polcenigo, que o acusado desprezava as hóstias... Numa certa ocasião referiu-se a elas como “bestas”... O padre Andrea Bionima também declarou que Menocchio falara que Deus não poderia estar naqueles pedaços de massa...
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Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto