sábado, 6 de outubro de 2012

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – ainda o depoimento do dia 28 de abril de 1584; Menocchio dá suas opiniões sobre a Eucaristia, santos e relíquias

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:

No interrogatório, Menocchio disse ao vigário-geral que acreditava que a hóstia é um pedaço de massa, mas "o Espírito Santo vem do céu e se instala nela"... O inquisidor, então, quis saber dele o que é o Espírito Santo... Menocchio respondeu que o Espírito Santo é Deus... Perguntado sobre quantas são as pessoas da Trindade, respondeu “Pai, Filho, Espírito Santo”... Depois teve de responder em qual das três está Deus e afirmou “Espírito Santo”, que ele considera muito maior do que Cristo... Ele respondeu ainda que quando o pároco fez sermões sobre o Santíssimo Sacramento, disse que é o corpo de Cristo que está na hóstia... Mas Menocchio achava que podia discordar e não se importou em dar a sua opinião: “O Espírito veio pelas mãos de Deus” e por isso é maior do que Cristo.
Em síntese, para Menocchio, também a Eucaristia era algo inventado pelos homens para controlar aos demais... Mas isso era “graças ao Espírito Santo”, fazia questão de afirmar em seu depoimento... Também a celebração da missa e a adoração da hóstia seriam criações do Espírito Santo e, graças a esses rituais, os homens tornavam-se mais superiores aos animais.
De suas palavras, concluímos que acreditava que a participação na missa, portanto, indicava “civilidade”... Não foram das Sagradas Escrituras que Menocchio extraiu essas críticas aos sacramentos... Em sua opinião, a Bíblia poderia se resumir a quatro palavras... No entanto, dadas por Deus, as Escrituras foram “adaptadas pelos homens”. Seus textos foram acrescidos e modificados “como os livros de batalha”. Então, para ele, também a Sagrada Escritura foi inventada para enganar os homens simples... A palavra de Deus é bem mais “breve e simples”, mas os evangelhos apresentam partes “diferentes e discordantes”. Ginzburg sintetiza que a partir dos depoimentos do moleiro vemos “negação da doutrina, dos livros sagrados, insistência no aspecto prático da religião”...
Francesco Fasseta havia declarado que o acusado só acreditava em “boas obras”... A santidade apresentava-se para ele como modelo de vida... Os santos, dizia, “foram homens de bem, fizeram boas obras e por isso o Senhor Deus os fez santos e eles oram por nós”. Talvez imaginasse que isso pesasse em seu favor, mas Menocchio não se intimidava e mostrava que desprezava as relíquias já que (“atos de bondade e escolha divina à parte”) “os santos são como qualquer outro ser humano”... Defendeu que apenas Deus deve ser adorado... Disse isso aos juízes citando Abraão, que “jogou todos os ídolos no chão, e adorou só a Deus”... Citou também Cristo que (tomou-o como modelo) deveria ser a nossa inspiração... Por Ele deveríamos sofrer e morrer de amor... E isso não deve ser nenhum motivo de honrarias para nós, já que o próprio Deus quis que seu filho morresse. Para Menocchio, não foi para redimir os pecados da humanidade que Cristo morreu... Devemos nos penitenciar sempre porque somos pecadores.
O depoimento do dia 28 de abril de 1584 fora longo mesmo... E bastante revelador para as autoridades do Santo Ofício. Conforme havia prometido, o moleiro Menocchio “falou tanto que surpreendeu”... Garantiu que tudo o que disse era original, pois não tinha aprendido com ninguém, e nunca havia discutido com heréticos... Destacou ainda que não acreditava que as palavras que dissera fossem a verdade. Apesar de tudo, disse que suas opiniões eram inspiradas pelo Espírito Santo, queria ser obediente à Igreja e esperava contar com a misericórdia de Deus, de Cristo e do Espírito Santo... Estava disposto a morrer se seus pensamentos não fossem inspiração do Espírito Santo.
Menocchio pediu piedade aos inquisidores... Que o conduzissem à morte se assim julgassem ser o seu caso... Mas gostaria de viver como “bom cristão” e por isso pedia que os juízes fossem misericordiosos... Retornou ao cárcere.
No 1º de maio o interventor teve de se afastar de Portogruaro, mas o inquisidor quis retomar a inquirição... A autoridade destacou que o interrogado revelava espírito “cheio de certos humores e de má doutrina”, mas era preciso ouvi-lo para que concluísse seu pensamento... Menocchio respondeu-lhe que seu espírito era elevado... Apenas desejava um mundo novo e novos procedimentos: “a Igreja não vai bem e não deveria ter tanta pompa”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_9.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

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