Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:
No interrogatório,
Menocchio disse ao vigário-geral que acreditava que a hóstia é um pedaço de
massa, mas "o Espírito Santo vem do céu e se instala nela"... O inquisidor,
então, quis saber dele o que é o Espírito Santo... Menocchio respondeu que o
Espírito Santo é Deus... Perguntado sobre quantas são as pessoas da Trindade,
respondeu “Pai, Filho, Espírito Santo”... Depois teve de responder em qual das
três está Deus e afirmou “Espírito Santo”, que ele considera muito maior do que
Cristo... Ele respondeu ainda que quando o pároco fez sermões sobre o
Santíssimo Sacramento, disse que é o corpo de Cristo que está na hóstia... Mas
Menocchio achava que podia discordar e não se importou em dar a sua opinião: “O
Espírito veio pelas mãos de Deus” e por isso é maior do que Cristo.
Em síntese, para Menocchio, também a Eucaristia
era algo inventado pelos homens para controlar aos demais... Mas isso era
“graças ao Espírito Santo”, fazia questão de afirmar em seu depoimento...
Também a celebração da missa e a adoração da hóstia seriam criações do Espírito
Santo e, graças a esses rituais, os homens tornavam-se mais superiores aos
animais.
De suas palavras,
concluímos que acreditava que a participação na missa, portanto, indicava
“civilidade”... Não foram das Sagradas Escrituras que Menocchio extraiu essas
críticas aos sacramentos... Em sua opinião, a Bíblia poderia se resumir a
quatro palavras... No entanto, dadas por Deus, as Escrituras foram “adaptadas
pelos homens”. Seus textos foram acrescidos e modificados “como os livros de
batalha”. Então, para ele, também a Sagrada Escritura foi inventada para
enganar os homens simples... A palavra de Deus é bem mais “breve e simples”,
mas os evangelhos apresentam partes “diferentes e discordantes”. Ginzburg
sintetiza que a partir dos depoimentos do moleiro vemos “negação da doutrina,
dos livros sagrados, insistência no aspecto prático da religião”...
Francesco Fasseta havia
declarado que o acusado só acreditava em “boas obras”... A santidade
apresentava-se para ele como modelo de vida... Os santos, dizia, “foram homens
de bem, fizeram boas obras e por isso o Senhor Deus os fez santos e eles oram
por nós”. Talvez imaginasse que isso pesasse em seu favor, mas Menocchio não se
intimidava e mostrava que desprezava as relíquias já que (“atos de bondade e
escolha divina à parte”) “os santos são como qualquer outro ser humano”...
Defendeu que apenas Deus deve ser adorado... Disse isso aos juízes citando
Abraão, que “jogou todos os ídolos no chão, e adorou só a Deus”... Citou também
Cristo que (tomou-o como modelo) deveria ser a nossa inspiração... Por Ele
deveríamos sofrer e morrer de amor... E isso não deve ser nenhum motivo de
honrarias para nós, já que o próprio Deus quis que seu filho morresse. Para
Menocchio, não foi para redimir os pecados da humanidade que Cristo morreu...
Devemos nos penitenciar sempre porque somos pecadores.
O depoimento do dia
28 de abril de 1584 fora longo mesmo... E bastante revelador para as
autoridades do Santo Ofício. Conforme havia prometido, o moleiro Menocchio “falou
tanto que surpreendeu”... Garantiu que tudo o que disse era original, pois não
tinha aprendido com ninguém, e nunca havia discutido com heréticos... Destacou
ainda que não acreditava que as palavras que dissera fossem a verdade. Apesar
de tudo, disse que suas opiniões eram inspiradas pelo Espírito Santo, queria
ser obediente à Igreja e esperava contar com a misericórdia de Deus, de Cristo
e do Espírito Santo... Estava disposto a morrer se seus pensamentos não fossem
inspiração do Espírito Santo.
Menocchio pediu piedade aos
inquisidores... Que o conduzissem à morte se assim julgassem ser o seu caso...
Mas gostaria de viver como “bom cristão” e por isso pedia que os juízes fossem
misericordiosos... Retornou ao cárcere.
No
1º de maio o interventor teve de se afastar de Portogruaro, mas o inquisidor
quis retomar a inquirição... A autoridade destacou que o interrogado revelava
espírito “cheio de certos humores e de má doutrina”, mas era preciso ouvi-lo
para que concluísse seu pensamento... Menocchio respondeu-lhe que seu espírito
era elevado... Apenas desejava um mundo novo e novos procedimentos: “a Igreja
não vai bem e não deveria ter tanta pompa”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_9.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto