Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_15.html antes de ler esta postagem:
Precisamos saber se
Menocchio participava de algum grupo “anti” Igreja Católica, ou mesmo se era
integrante de alguma seita tida como herética... Intrigava aos inquisidores o
fato de o moleiro dizer que nunca conversara sobre suas ideias com outra pessoa
que pudesse ser seu doutrinador... Suas reflexões, então, seriam originais...
Mas críticas como as que ele fazia só podiam vir de adeptos da Reforma
Protestante... Perguntado sobre qual era a sua opinião em relação ao
luteranismo, Menocchio respondeu que luterano era todo aquele que seguia
“ensinando o mal” e se alimentando de carne às sextas e sábados...
Por
ocasião do segundo processo (1599) as autoridades ficaram sabendo, graças aos
depoimentos de Simon, um judeu convertido, que o moleiro havia dito que após a
sua morte os luteranos recolheriam suas cinzas... Ginzburg alerta-nos a
respeito do cuidado que devemos tomar em relação ao modo como se referiam a
“luteranos”... Normalmente generalizavam (por um bom tempo foi assim) e chamavam
de “luterano” todo aquele que apresentava indisposições em relação à Igreja
Católica, suas autoridades e doutrina.
O
convertido Simon disse que Menocchio negava o valor do Evangelho, refutava a
divindade de Cristo, e apreciava um “livro que talvez fosse o Alcorão”... Algo
bem comprometedor, mas também muito difícil de associar ao processo em questão.
Ginzburg
relacionou e até “aproximou” as afirmações do moleiro aos comportamentos dos
anabatistas... Submeteu os juízos deste ao modo de pensar daqueles e, assim, proporcionou uma conclusão.
O que vinculava Menocchio ao radicalismo
anabatista?
* sua defesa da simplicidade da palavra de Deus;
* negação das
imagens, cerimônias e sacramentos;
* importância dada às obras;
* defesa da
pobreza enquanto condição de vida essencial aos religiosos cristãos (contra a
pompa ostentada pela Igreja Católica)...
Além de tudo isso, sua ideia em
relação ao Batismo (“quando nascemos já estamos batizados” – de acordo com
Ginzburg, anabatistas italianos recusaram o Batismo e os outros sacramentos,
p.66) corrobora com essa vinculação...
Embora
os anabatistas tenham sido perseguidos com intensidade capaz de eliminá-los da
Itália, a verdade é que alguns grupos sobreviviam clandestinamente ao tempo em
que Menocchio sofria seus processos... O Queijo
e os Vermes cita o caso da prisão dos artesãos de Porcia (1557), pelo Santo
Ofício, como prováveis anabatistas... Não se descarta que o próprio Menocchio
tenha pertencido às suas fileiras.
Apesar
de todas essas possibilidades, ainda de acordo com Ginzburg, não há como
definir o moleiro como anabatista... E isso porque as considerações, até certo
ponto positivas, que ele fizera acerca da missa, Eucaristia, e até da
Confissão, eram inaceitáveis a um anabatista... Em relação às indulgências,
vemos Menocchio afirmando acreditar serem boas porque “Deus colocou um
representante” (o papa) para perdoar os fiéis... Ora, para os anabatistas, o
papa seria a encarnação do Anticristo... Há que se considerar ainda que, para
os anabatistas, “a única fonte de verdade é a Escritura”... Menocchio, por sua
vez, fez referências a textos variados para argumentar suas ideias. Entre eles,
o Fioretto della Bibbia e o Decameron.
O
caso de Menocchio era tão particular que nem mesmo podemos vinculá-lo a grupos
“luteranos”... Algumas questões óbvias para luteranos não eram entendidas ou
partilhadas por ele. Ao inquisidor afirmava que Cristo não morreu para “salvar
os homens” porque, sendo esses pecadores, devem fazer constantes penitências...
O moleiro não concordava com a noção de Predestinação, e insistia que não
acreditava que Deus “predestinasse” alguém à vida eterna. Assim, Justificação e
Predestinação, tão caras aos luteranos da Itália, não significava nada que
importasse ao moleiro Menocchio...
Não fossem eliminados, os anabatistas
conseguiriam difundir as suas ideias entre os camponeses... Os campos também
eram palco de diversas inquietações religiosas...
Mas qual seria a relação
entre aquela cosmogonia de Menocchio (queijo/princípio e vermes/anjos de
geração espontânea) com os movimentos articulados? Aquilo se tratava de uma “insurgência” bem anterior à Reforma Protestante e, de certa forma, ganhou volume, conforme os efeitos dessa se espalharam.
Melhor seria creditá-la às
crenças autônomas dos camponeses de diversas regiões da Europa (isso não era um
privilégio do Friuli)... Abandonados à própria sorte, os homens e mulheres do
campo não compreendiam as complicadas fórmulas e regras a que eram obrigados a
se submeter. Sofriam pressões de nobres conservadores e de
autoridades religiosas... Formulavam e difundiam oralmente (geração após
geração) “visões de mundo” e, à sua maneira, sustentavam cosmogonias e
teogonias...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_22.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto