quarta-feira, 9 de março de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – sobre as decisões arbitrárias de Ben Bella e a perseguição aos inimigos políticos; isolamento e confronto direto com Boumédiène; anúncio da reunião que expurgaria opositores

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/03/a-guerra-do-futebol-de-ryszard.html antes de ler esta postagem:

Ben Bella tornou-se reconhecido internacionalmente.
Como vimos, ele chegou a essa condição onerando os cofres públicos.
Os que lhe faziam oposição reclamavam que o seu governo era inoperante... Os que o apoiavam entendiam que ele se tornava cada vez menos acessível.
Aos poucos o relacionamento do presidente com as pessoas mais próximas e colaboradores tornou-se conflituoso. Havia os que entendiam que ele era intransigente e duro demais com os opositores... Havia também os que o criticavam por considerá-lo “frouxo”...
(...)
Por ocasião da rebelião na Cabília, Ben Bella decidiu negociar com os líderes radicais sem levar em consideração as opiniões de sua equipe.
O assunto tomou conta do noticiário e ele mesmo negou publicamente que tivesse tomado a iniciativa. Mas o burburinho foi grande, principalmente porque Boumédiène não concordava com nenhum tipo de entendimento com os cabílios.
(...)
Por tudo o que já se afirmou, é claro que o modo como Ben Bella conduzia o governo motivava os seus opositores. Kapuscinski afirma ainda que, além disso, parecia que ele estava buscando um “confronto definitivo” com Boumédiène.
Sua equipe de governo tornou-se cada vez menor, pois ele tratou de se livrar daqueles que podiam ofusca-lo de alguma maneira. Restaram apenas os que ele considerava inferiores...
Ao mesmo tempo em que não escondia o seu desprezo, Ben Bella tinha de conviver com certos colaboradores... E como não tinha a menor consideração por eles, era comum ser flagrado aos gritos e sentenciando que já havia deliberado sobre o que o governo faria... As reuniões não tinham o menor sentido.
Havia uma contradição evidente... O presidente não confiava em ninguém, mas esforçava-se para demonstrar o contrário... Em síntese, ele era um “improvisador”. Conversava com as várias facções e fazia crer que aceitava suas propostas... Mas não era isso o que se verificava, pois suas promessas não se cumpriam.
Sem maiores dramas de consciência, comportava-se de modo agressivo e era raro respeitar a opinião daqueles que ousavam expô-la.
Sua arrogância provocou o natural distanciamento das pessoas... A Villa Joly deixou de ser frequentada... E não era incomum ele expulsar os que apareciam para uma visita qualquer... Não poucas vezes ameaçou prendê-los!
O comportamento estranho assustava antigos companheiros... Eventualmente Ben Bella era visto como um tipo melancólico... Mas sua agressividade era o que mais marcava... Ele mesmo dizia à equipe que acabaria se livrando de todos.
Isso era um sintoma claro de que já não confiava em ninguém... Acreditava que tramavam contra ele...
Kapuscinski cita um episódio em que Ben Bella apresentou Boumédiène a um jornalista egípcio como o homem que estava preparando um golpe contra ele... Fez isso na presença do outro a quem perguntou como andavam as intrigas... Boumédiène respondeu simplesmente que iam muito bem...
(...)
Às vésperas do golpe, Ben Bella concentrava amplos poderes na Argélia... Além de presidente do país e secretário-geral do partido, o homem acumulava muitos outros cargos. Chegou a assumir pessoalmente alguns ministérios... Ele decidia quem participaria do comitê político ou do comitê central.
A imprensa o apoiava... Ele era popular... Talvez isso o tenha levado à convicção de que agia de modo certo e que ninguém tinha o direito de criticá-lo. Não escondia o seu orgulho por ter acertado uma conferência internacional que passaria para a história como a “Segunda Bandung”. O encontro que teria sede em Argel ocorreria em breve.
(...)
Ele acreditou mesmo que teria o apoio do exército num eventual confronto com Boumédiène e seus aliados... Tirá-los do cenário significaria limpar o caminho para um governo absoluto... E tirânico!
Todavia seu erro foi o de não avaliar corretamente os quadros políticos que protagonizavam a Argélia dos primeiros anos após a independência... Muitos parlamentares e membros de secretarias de governo eram egressos do exército (de guerrilheiros ou dos “emigrantes”), e a maioria estava com Boumédiène.
O presidente planejou organizar uma milícia popular... Sua estratégia era a de diminuir a influência dos militares de carreira... Isso não se efetivou... O tempo corria contra Ben Bella.
Na ausência de Boumédiène (encarregado de missão em Moscou), ele nomeou Tahara Zbiri chefe do Estado-maior com a intenção de enfraquecer seu principal inimigo político... Boumédiène não aprovaria a escolha de Zbiri, ex-guerrilheiro, comandante do grupamento rebelde em Argel.
(...)
De fato, Boumédiène rompeu com o governo.
No dia 12 de junho, Ben Bella anunciou que no próximo dia 19 o Comitê Político se reuniria para tratar de três importantes medidas: “mudança do gabinete; mudança no comando-geral do exército; liquidação da oposição militar”.
O presidente seguiu para Oran, onde tinha compromissos políticos.
Metade dos integrantes do Comitê Político era favorável a Boumédiène...
Durante a semana os golpistas se mobilizaram.
Como se sabe, a reunião de 19 de junho de 1965 não ocorreu conforme o planejado por Ben Bella... Tahara Zbiri liderou a invasão à Villa Joly... Boumédiène assumiu o comando.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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